Dois dos três envolvidos em acidente que resultou na morte de mãe e filho na L4 Sul prestaram ontem depoimento e negaram participação em racha. Testemunha, porém, viu os carros em alta velocidade
A Polícia Civil depende das provas periciais e de depoimentos para desvendar o acidente que resultou na morte de mãe e filho na L4 Sul. Cleusa Maria Cayres, 69 anos, e Ricardo Clemente Cayres, 46, seguiam no banco traseiro de um Fiesta quando foram atingidos pelo Jetta do advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34. Ele tinha saído de uma festa, em um barco no Lago Paranoá, e fugiu após a colisão. Os outros envolvidos são o sargento do Corpo de Bombeiros Noé Albuquerque de Oliveira, 42, que guiava uma Range Rover Evoque; e a irmã dele, Fabiana de Albuquerque Oliveira, 37, que dirigia um Cruze — ela foi a única a ficar no local, mas não quis se submeter ao bafômetro. Segundo testemunhas, eles praticavam um racha. “Ricardo fazia a diferença. Ele só pensava em ajudar os outros. É inacreditável que ele tenha sido tirado de nós de forma tão violenta”, lamentou Fabrícia Gouveia,48, viúva de Ricardo (leia Depoimento).
O Instituto de Medicina Legal (IML) liberou os corpos de Cleusa e Ricardo perto das 20h de ontem. Ele e a mãe serão cremados em Valparaíso. O Fiesta em que eles estavam pertencia a Ricardo, mas era conduzido pelo cunhado dele, Helberton Silva Quintão, 37, pois a vítima estava com a mão machucada. No banco do carona, seguia o pai de Ricardo e marido de Cleusa, Oswaldo Clemente Cayres. Eles não se feriram gravemente. O grupo havia saído de uma confraternização familiar, no Lago Sul, e se dirigia para o Guará.
A festa ocorreu na casa de um dos irmãos de Ricardo. Antes de sair, ele avisou a Fabrícia que deixaria os pais em casa: “Nega, me espera que volto para te buscar. Te amo.” Uma amiga da família que pediu para não ser identificada falou sobre a dor da família. “Era um ano de realizações, principalmente para a Fabrícia e o Ricardo. Eles adoravam bichos. Recolheram animais na rua para cuidar. Eram loucos pelos pais, loucos um pelo outro. Eles tinham o mundo pela frente e, de repente, não há mais nada”, disse.
A polícia não indiciou nenhum suspeito. O delegado adjunto da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), Ataliba Neto, explicou que o crime ainda não foi tipificado. Além do resultado da perícia nos veículos, que sairá em cerca de 30 dias, investigadores tentarão recorrer a filmagens e possíveis multas de pardais para confirmar se houve um racha. Uma testemunha relatou que viu os carros do trio em alta velocidade antes do acidente. Eraldo, que bateu na traseira do Fiesta da família, prestou depoimento na tarde de ontem e foi liberado. Atendido pelo mesmo advogado de Noé, ele permaneceu na delegacia por cerca de duas horas. Relatou que seguia a 80km/h e que tinha bebido “apenas uma lata de cerveja”. Negou, ainda, que estivesse disputando pega.
Segundo Ataliba, Eraldo, cunhado de Fabiana e Noé, chorou no depoimento e alegou que o acidente foi um “erro de cálculo”. Explicou que mudava de faixa quando o Fiesta freou por causa da fiscalização eletrônica. Após bater no Fiesta, atingiu o Cruze de Fabiana. Ele disse que fugiu porque pessoas cercaram o carro e começaram acusá-lo. Negou, ainda, que tivesse pegado carona em um Uno e contou que correu a pé para a L2 Sul, onde ligou para amigos. “Ele tem consciência da tragédia que causou para as duas famílias e afirmou que preferia estar morto no lugar das vítimas”, disse. O delegado confirmou a importância da perícia para o caso. “A prova importantíssima para a gente vai ser a pericial, do local do acidente. Com ela, vamos poder apurar a velocidade que eles estavam e, aí, a gente vê, também, o dolo e se eles assumiram o risco”, explicou Ataliba. Segundo ele, se ficar provado que houve pega, os três podem ser indiciados por racha, com consequência de morte. Caso contrário, Eraldo poderá responder por homicídio culposo ou homicídio doloso com dolo eventual. Fabiana foi ouvida na noite dda colisão, mas, por enquanto, não é considerada responsável pelo acidente.
Agentes do DER e testemunhas contradizem vários pontos do depoimento do sargento. Noé informou que não fez o teste do bafômetro porque o órgão não tinha o equipamento. Negou que participava de racha e afirmou que, após o acidente, acionou os bombeiros. Justificou ter deixado o local, pois a mulher dele tinha se ferido na festa no Lago Paranoá e queria levá-la a um hospital. Mas agentes do DER disseram que ele fugiu da cena logo após apresentar a habilitação e que estaria visivelmente bêbado.
As vítimas
Ricardo Clemente Cayres
» Tinha 46 anos
» Trabalhava no Banco Central
» Era casado com Fabrícia
de Oliveira Gouveia
» Morava no Guará
Cleusa Maria Cayres
» Tinha 69 anos
» Era aposentada
» Além de mãe de Ricardo Clemente Cayres, tinha quatro filhos
» Morava no Guará
Depoimento
“Violência imperdoável”
“É inacreditável que pessoas irresponsáveis no trânsito continuem destruindo tantas famílias. As pessoas que mataram o Ricardo e a mãe dele, Cleusa, precisam ter a noção do mal que fizeram. Dizem que não estavam com os carros em alta velocidade e que não beberam antes de dirigir. É mentira. Há testemunhas. Todos viram a violência com que atingiram o carro no qual estava o meu marido. É preciso punição severa. De nada vai adiantar sentir vergonha do que fizeram, pagar cestas básicas ou fianças. Eles cometeram uma violência imperdoável. Até quando pessoas como essas continuarão destruindo famílias?
A dor que estamos sentindo é enorme. Ricardo, meu marido, fazia a diferença. Ele só pensava em ajudar os outros. É inacreditável que tenha sido tirado de nós de forma tão violenta. Não poderei mais dar beijos e abraçar o bem mais precioso que Deus me deu. Não posso ter filhos. Acreditava que, com ele, viveria o resto dos meus dias. Só ele e eu, felizes. Prometemos cuidar um do outro desde que nos conhecemos, há 10 anos. Foi 1 ano de namoro e 9 de casamento. Como fomos felizes. Por que o tiraram de mim?
No sábado, antes da morte dele, havíamos passado o dia procurando um terreno para construirmos a nossa casa. Estávamos tão felizes, fazíamos tantos planos. Tínhamos escolhido ficar juntos. Sabíamos que não poderíamos ter filhos, pois eu havia tirado o útero. Isso em nada nos abalou, tamanho era o companheirismo dele, uma pessoa sempre disposta a ajudar o próximo.
Ricardo morreu com a mãe. Tinha uma paixão enorme por ela. Era só beijos e abraços. Como puderam tirar a vida de mãe e filho de forma tão violenta? Até quando vamos ficar calados achando que mortes violentas no trânsito são normais? Não são. Famílias não podem ser destruídas por irresponsáveis. Daqui a pouco, todos estarão sorrindo, como se nada tivesse acontecido, protegidos pela impunidade. E eu? E a família dele? Só restará viver com uma dor dilacerante, com uma ferida que jamais cicatrizará.”
Fabrícia Gouveia, viúva de Ricardo
Os envolvidos
Eraldo José Cavalcante Pereira,
34 anos, é advogado com registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF. Ele foi identificado como motorista do Jetta, veículo que bateu na traseira do Fiesta onde seguiam mãe e filho. Há indícios de que ele fugiu em outro veículo, um Uno. Informações obtidas pelo Correio revelam que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de Eraldo acumula 14 pontos, 10 por infrações consideradas graves.
Noé Albuquerque Oliveira,
42 anos, é sargento do Corpo de Bombeiros e enfermeiro da Secretaria de Saúde. Ele dirigia a Range Rover Evoque, um dos carros envolvidos no acidente fugiu do local. Agentes do DER no DF informaram que ele estava visivelmente bêbado e se recusou a fazer o teste do bafômetro. A CNH de Noé venceu em 10 de abril. Ele tem 27 pontos na carteira, sendo sete por infração gravíssima e 20 por infração média.
Fabiana Albuquerque Oliveira,
37 anos, é irmã de Noé Albuquerque Oliveira. Ela dirigia um Cruze prata. A mulher é a única que ficou no local do acidente e prestou depoimento no mesmo dia do acidente, na Avenida L4 Sul. Na noite da batida, agentes do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) no DF informaram que Fabiana estava bêbada e também teria se recusado a fazer o teste de alcoolemia. Ela acumula oito pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), todos por infração média.
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