Programa voltado à população carente atende hoje 13,28 milhões de famílias, cerca de 800 mil a menos do que em dezembro de 2013. Segundo o governo, redução reflete melhora da gestão
Eu não quero que meus filhos tenham essa vida que eu tenho. Sei que estudando eles vão ter um futuro melhor'' Maria da Conceição Santos, doméstica
Eu não quero que meus filhos tenham essa vida que eu tenho. Sei que estudando eles vão ter um futuro melhor'' Maria da Conceição Santos, doméstica
A redução, que embute efeito combinado de novos ingressos e de saídas de beneficiários do programa, não tem nada a ver com represamento de demanda, assegura o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra. Ao contrário, diz ele, “a fila foi zerada”, de modo que as pessoas entram na folha de pagamento tão logo atendam a exigências cadastrais e mostrem estar dentro das regras de enquadramento. O programa atende unidades familiares com renda per capita de até R$ 170.
Entre as famílias que permanecem no programa está a da doméstica Maria da Conceição Santos, de 42 anos. Moradora do Sol Nascente, maior favela da América Latina, ela saiu da Bahia para estudar no Distrito Federal. Veio a pedido da mãe, que não queria que ela continuasse passando necessidades na cidade em que nasceu. Na Bahia, Maria parou de estudar na 5ª série do ensino fundamental. Logo começou a trabalhar fazendo limpeza em casas de famílias em Ceilândia. Casou-se com o servente de pedreiro Leonel Benício e juntaram os salários para construir uma vida juntos.
Quando a situação de ambos começou a melhorar, a doméstica viu sua vida ser destruída pela violência urbana. Leonel foi assassinado com cinco tiros, aos 24 anos, após reagir a um assalto, a algumas quadras de distância de casa. “Meu mundo desabou quando soube da notícia. Eu não consegui fazer mais nada. Já tinha dois filhos para criar e não pude continuar os estudos. Até hoje eu não superei a perda dele e isso destruiu a minha vida. O assassino até foi preso dias depois. Mas, em pouco tempo, saiu da cadeia. Já meu marido não está mais aqui. Quem perde somos nós”, desabafa Maria.
Futuro
Com depressão profunda, Maria da Conceição não trabalha com carteira assinada há dois anos. Hoje, ela e os dois filhos, já adolescentes, vdependem dos R$ 120,00 do Bolsa Família. Os filhos da doméstica estão na escola e ela sonha com um futuro diferente do que ela e seus pais tiveram para a nova geração da família. “Eu não quero que meus filhos tenham essa vida que eu tenho. Sei que estudando eles vão ter um futuro melhor. Ainda penso em estudar, pois sei que terminando os estudos posso conseguir um emprego e um salário melhor.
O ministro Osmar Terra explica a redução do número de famílias como efeito, principalmente, da melhora na gestão do programa. Segundo ele, aumentou a frequência com que o MDS faz averiguações e cruza dados com outros cadastros do governo para detectar se há beneficiários com renda superior ao limite de enquadramento.
A redução do público do Bolsa Família ocorreu, em grande parte, em período marcado por recessão econômica ( o Produto Interno Bruto encolheu 7,2% no biênio 2015/2016), disparada do desemprego ( a taxa saiu de 6,5% para 13,7% entre dezembro de 2014 e março de 2017) e corrosão da renda real, principalmente a do trabalho.
Vulneráveis
Conforme o Correio noticiou ontem, esse quadro resultou em aumento da pobreza, para a qual foram jogados cerca de 5,9 milhões de brasileiros em dois anos, segundo o economista Marcelo Neri, presidente do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social). Neri considerou abaixo da linha de pobreza pessoas com renda familiar per capita mensal de até R$ 230,00 em 2016, cujo total alcançou de 22 milhões. Sem o Bolsa Família este número seria maior, justamente porque o programa complementa renda. E as transferências governamentais são capturadas pelas estatísticas de renda usadas para medir pobreza.
O fato de a crise econômica não ter sido acompanhada de aumento de demanda pelo Bolsa Família é positivo, na visão do sociólogo Rafael Guerreiro Osório, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso significa que o programa “está cumprindo bem o seu papel”. É uma evidência, acrescenta, de que já estavam dentro dele não só pessoas com renda familiar per capita de até R$ 170,00, mas também as que são sempre vulneráveis a entrar nessa faixa, por causa da informalidade do mercado de trabalho.
Osório lembra que uma regra do próprio MDS permite que as famílias fiquem até 2 anos a mais recebendo o benefício, mesmo que ultrapassem o limite de renda para enquadramento no programa. Isso, segundo o MDS, se elas próprias avisarem que a situação de renda melhorou. Outra condição é que a nova renda não ultrapasse meio salário mínimo por pessoa.
Osmar Terra diz que a norma será mantida. O prazo adicional de duração do benefício existe justamente para acomodar oscilações de renda, risco ao qual é bastante sujeita a população alvo do Bolsa Família, acrescenta Rafael Osório. “É bom que se mantenha uma visão dinâmica da pobreza”, diz ainda o sociólogo.
''É bom que se mantenha uma visão dinâmica a pobreza”
Rafael Guerreiro Osório, sociólogo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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