Todos falavam nela. Todos tinham alguma
coisa para falar dela. Uma guerreira das maiores! Construiu um império com as
próprias mãos. Foi fada sem varinha de condão. Salvou vidas sem ser médica. Foi
mulher sem perder tempo ao espelho. Enfeitou panelas e deu-lhes sabor e
espalhou o cheiro dos seus temperos pelo ar, a perder de vista. Foi mãe santificando
assim a sua condição de fêmea. Fez dois filhos. Ganhou duas noras e um casal de
netos como prolongamento da sua “dinastia” no restaurante que criou com a
bravura de uma leoa. Logo cedo enviuvou, mas seguiu firme na caminhada da vida.
Exemplo de mulher! Dizem todos. O tempo passou e ela conseguiu construir
o que poucos conseguem. Lutou dia e noite para isso. Nas suas noites devia
sonhar e durante o dia realizava estes sonhos. O seu nome ecoa por todos os
lugares. Todos a conhecem e cada um tem algo para dizer sobre ela. Fincou um
marco onde viveu.
Um dia, há alguns anos, o sol nasceu diferente para ela. Não saiu mais
do quarto e nem da cama que a acolheu daí em diante. Adoeceu. Tinha de
acontecer? Quem pode saber os desígnios do Grande Pai? Dia após dia a esperar
em vão que tudo não passasse de um pesadelo e a vida voltasse a sorrir. Ilusão.
Todos continuaram falando nela, admirando-a, tomando-a como exemplo. O tempo
passou e a sua vida não saiu mais do ocaso dos dias. Até que o céu se cansou de
esperar e a chamou para virar estrela, lá, entre as nuvens que correm e
rodopiam vestidas de branco anunciando a paz.
Não a conheci. Conheci a sua história e vi a admiração que todos sentem
por ela. Conheci feitos seus, e foram tantos, que é impossível enumerá-los.
Atendeu a todos que a procuraram e até vidas foram salvas por suas mãos
bondosas. Nunca se cansou de fazer o bem a todos que a procuravam.
Acordamos com a triste notícia da sua morte e o dia chorava copiosamente
sem poder conter-se. Vi-a pela primeira e última vez. Uma mulher bonita, com a
tez suave, a dormir profundamente o eterno sono que um dia chega a todos nós.
Olhei aquele rosto sereno, quase angelical, e vi todas as mães que ela, de
certa forma, foi para os que tiveram o privilégio de conviverem com ela.
A igreja lotada mostrava o tamanho daquela mulher enquanto vivera. Gente
de lugares distantes veio prestar homenagem a ela. A festa dos anjos lá no céu
expandiu-se pela terra, que parando o choro sentido, mostrou um sol radiante e
um mar de gente levando-a a sua eterna, agora morada.
Caminhei junto a toda essa gente. Fiz-me, por momentos, íntima daquela
que fazia correr lágrimas dos corações de tantos. Disse-lhe adeus como os
outros disseram. Mostrei-lhe que sabia bem quem era aquela grande mulher, mas
só nós duas nos entendíamos naquele instante. Ela, certamente me ouvia...
Todos voltaram as suas moradas. O vento brando soprava baixinho como se
gritasse o seu nome repetidamente e espalhava-o por todos os lugares ecoando em
todos os cantos. E lembrando os versos de Santo Agostinho, tenho a certeza que
assim será. “Eu sou eu, vocês são vocês. / O que eu era para vocês, / eu
continuarei sendo. / Me dêem o nome / que vocês sempre me deram, / falem comigo
/ como vocês sempre fizeram. / Vocês continuam vivendo / no mundo das
criaturas, / eu estou vivendo / no mundo do Criador”.
Ela foi-se embora. Elvira, Elvira, Elvira... Chorava o vento baixinho...
Lígia Beltrão
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