A música suave e bem tocada convidava a
todos para dançarem naquele salão colorido de gente. Era fim de uma tarde morna
de Domingo de um outono amarelecido, onde as folhas, desmaiadas, faziam um
tapete esplendoroso para que a natureza esbanjasse assim a sua beleza da
estação. Sempre vamos, eu e meu marido, dançar nessa bela e bem administrada
danceteria, em Coimbra. O conjunto em perfeita sintonia de músicos e cantores, com
músicas muito bem executadas, além do atendimento espetacular e cortês que é
dispensado aos clientes, fez de nós habituais frequentadores.
Nesse dia paramos um pouco de dançar e eu comecei a observar as pessoas
que ali estavam. Algumas analisavam outras minuciosamente. Uns certamente
buscavam companhia. Estavam sós. Olhos carentes passeando por todo o recinto, o
que indicava que procuravam algo. Notei que a maior parte das pessoas, que
estava ali nesse dia, passava dos setenta anos. Idade da solidão, eu pensei cá
com meus botões, do procurar por si mesmo para recuperar algum tempo perdido.
Alguns chamaram a minha atenção e fiquei a observá-los maravilhada.
De repente, os homens vão à busca das mulheres, cuidadosamente vestidas
e arrumadas, pois finalmente parece que estão se redescobrindo charmosas e
belas, cada uma do seu jeito, que, sentadas nas confortáveis poltronas do
ambiente, esperam por serem escolhidas para aquela dança. Chega um senhor com
um sorriso nos lábios e num gesto cortês, convida a dama que prontamente
ascende ao pedido e põe-se de pé seguindo o cavalheiro. Dançam elegantemente.
As mulheres são conduzidas levemente por aqueles homens, excelentes dançarinos,
que neste momento querem mostrar a sua melhor “performance” como tal. Curvo-me
respeitosa e solenemente a grandeza de cada um deles, que querem mostrar o seu
melhor.
Vejo que em poucos minutos estão conversando, e mais à vontade riem e
começam a se entenderem. Logo rodopiam pelo salão e soltam os moços que estavam
adormecidos dentro de si. Voltam ao tempo em que, certamente faziam sucesso nos
bailes de outrora, quando a juventude lhes enfeitava a cara e dava-lhes o poder
de sentirem-se eternos e donos do mundo. Encantam-me pessoas que têm gana de
viverem e vivem sem medo de serem felizes e vão à busca de horizontes perdidos,
de sonhos que dormitam, por alguma razão, em seus corações caçadores de vida. Acredito
que Serão “bem aventurados” e adentrarão aos céus.
Alguns casais em especial, chamaram a minha atenção por eu vir que eles
combinavam e formavam belos pares. Em algumas músicas aconchegavam-se de
maneira tal, que parecia já dançavam assim a vida inteira. Ah, o que não faz
conosco uma bela e bem cantada música! Leva-nos a outro mundo... Mundo onde os
sonhos se realizam. Dou-me conta com uma alegria indescritível que esta casa
contribui para, sem o saber, fazer a felicidade de muitas pessoas, que, até
então, encontram-se ali por acaso. E tudo o que eles fazem é prestar um
impecável serviço de danceteria e deliciosos lanches servidos, mas o fazem
muito bem. Tão bem, que transformam os clientes em assíduos frequentadores.
Os casais animam-se cada vez mais. Conversam entre si com maior
intimidade agora. Seus rostos estão iluminados. Risonhos. Dançam em perfeita
sintonia enquanto conversam e se olham. São como as aves. Livres. E assim se
entregam ao encanto daquelas horas fugazes. São senhores de si mesmos. As
idades lhes permitem reger as próprias vidas.
No intervalo, enquanto uns lancham, e se recompõem para a segunda parte
dos seus próprios shows, alguns permanecem curtindo e dançando ao som das
músicas de discoteca. Aí sim, são outras pessoas. Requebram seus corpos tal
quais rapazes e raparigas desabrochando para a vida, e dão um espetáculo à
parte, que fazem inveja aos meus passados quinze anos de idade. Que beleza de
vê-los. Quanta vida guardada no passar dos anos a florescerem naquele salão!
Começa a segunda parte do baile. A música canta romantismo. Procuram-se,
agora com a certeza dos seus pares preferidos, escolhidos anteriormente. Estão
mais confiantes e falam-se como velhos amigos. Dançam e celebram alegremente o
momento. Emociono-me. Benditos sorrisos! Farão o meu Natal diferente este ano.
É o Natal que me diz alegremente que eu tudo posso. É só acreditar na própria
capacidade e ter um grande amor pela vida. E vivê-la incondicionalmente.
Recosto o meu rosto no do meu marido, e entre os seus braços, de olhos fechados,
deixo-me levar pela música. Flutuo em lânguidas sensações. Como o amo. Como nos
amamos! - Penso enternecida e feliz -.
Olho as mãos das mulheres onde brilham belos anéis e noto que muitas
delas carregam em seus dedos anulares esquerdos, duas alianças de ouro...
Que todos tenham um Feliz Natal!
Lígia Beltrão