quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

O Concerto


      
Fui assistir a um concerto com a Orquestra Sinfônica do lugar onde moro. Foi maravilhoso! Eles são músicos, muitos ainda jovens, que se entregam ao que de melhor a Câmara (prefeitura) lhes oferece. Estão presentes em quase todas as festas do lugar, e como sempre, aplaudidos com eloquência, visto o belo trabalho que desempenham com o coração, além, claro, do competente Maestro que os ensina e acompanha.
       Nesse dia não foi diferente. Tocavam lindamente a primeira música, quando observei que uma rapariga (moça) novinha estava mostrando no rosto um enorme desespero. Detive-me a observá-la e tal era a sua agonia, que eu, lá do meu lugar de expectadora, já estava a ponto de chorar com aquela aflição estampada em seu rosto lindo, de menina moça.
       Ela olhava o chão procurando desesperadamente por algo, que infelizmente não encontrava. Esfregava os olhos com o dorso da mão, e novamente olhava o chão. Seus colegas percebendo os seus gestos de desespero começaram a perguntar-lhe com um aceno de cabeça, o que se passava?
       Ela mostrava chorando o instrumento que tocava, colocando o dedo num determinado ponto. Enxugava as lágrimas com as mãos delicadas e seguia, disfarçadamente tocando a sua trompa. O desespero mostrava-se no seu rosto e crescia a cada segundo. Pelo jeito da plateia, parece que só eu notei aquela dor tão evidente.
       A segunda música começou e o desespero continuava cada vez mais acentuado. Eu segurava as minhas lágrimas. Gostaria de poder ajudar, mas não sabia como. Comecei a procurar com os olhos, pelo chão, o que, sequer sabia o que era. Os outros músicos, de quando em vez, baixavam os olhos a procurarem o objeto, em solidariedade a amiga e colega da banda. Todo o esforço em vão, pois nada era encontrado.
       O Maestro faz uma pequena pausa para eles, de pé, agradecerem os fervorosos aplausos e anunciar a próxima obra que iriam apresentar. Nisso, alguém lá atrás faz um gesto e chama a atenção dos componentes. Avisam discretamente, com um movimento de cabeça e olhos ao Maestro, evitando que ele recomece o concerto. Este autoriza que a garota receba o minúsculo objeto, o que ela faz com um sorriso no rosto, onde mostra a felicidade imensa e principalmente o alívio que sente.
       A música recomeça. A sala parece que fica mais bela e ouço a melodia maravilhosa que aquele conjunto nos oferece naquela noite fria. Olho atentamente o rosto daquela menina, que agora, de olhos fechados, parece engolir cada nota, alimentando a alma e deixando transparecer o imenso alívio que sente.
Os meus olhos marejados acompanham cada gesto dela. Prendo a minha atenção àquela criatura graciosa. E ela deixa-se levar, enlevada, como se estivesse flutuando em nuvens. A sua expressão ficou gravada em meu coração. O concerto termina e todos aplaudem, de pé. A orquestra agradece lindamente. Se dispersa.
       Aproximo-me dela e pergunto-lhe o que houve? Conto-lhe da minha aflição. Ela ri e mostra-me a pequenina borracha preta que tapa um orifício do instrumento, e diz-me sorrindo: - Sem esta borrachinha as notas não saem e eu já estava desesperada, até que uma amiga achou ali atrás, no chão, e entregou-me...
       Parabenizo-a e digo-lhe que foi um maravilhoso concerto. Ela agradece com um obrigada carinhoso. E eu vou pensando, enquanto caminho para a saída do convívio, na importância de uma pequena borracha. Assim é a vida. Por mais que se tenha e se saiba, é preciso uma borrachinha para dar o tom certo da música que tocamos, senão, nada soará com beleza. Mesmo que esta falte num momento qualquer, não devemos desesperar ou parar a música. É preciso seguir em frente. Parabenizo-a pelo profissionalismo. Não sei o nome daquela menina, mas ela mostrou-me isso. Não podemos desanimar e muito menos parar, mesmo que as notas estejam mudas. Nunca esquecerei o lindo concerto.

                                                                       Lígia Beltrão

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