Fui assistir a um concerto com a Orquestra Sinfônica do lugar onde moro.
Foi maravilhoso! Eles são músicos, muitos ainda jovens, que se entregam ao que
de melhor a Câmara (prefeitura) lhes oferece. Estão presentes em quase todas as
festas do lugar, e como sempre, aplaudidos com eloquência, visto o belo trabalho
que desempenham com o coração, além, claro, do competente Maestro que os ensina
e acompanha.
Nesse dia não foi diferente. Tocavam lindamente a primeira música,
quando observei que uma rapariga (moça) novinha estava mostrando no rosto um
enorme desespero. Detive-me a observá-la e tal era a sua agonia, que eu, lá do
meu lugar de expectadora, já estava a ponto de chorar com aquela aflição
estampada em seu rosto lindo, de menina moça.
Ela olhava o chão procurando desesperadamente por algo, que infelizmente
não encontrava. Esfregava os olhos com o dorso da mão, e novamente olhava o
chão. Seus colegas percebendo os seus gestos de desespero começaram a
perguntar-lhe com um aceno de cabeça, o que se passava?
Ela mostrava chorando o instrumento que tocava, colocando o dedo num
determinado ponto. Enxugava as lágrimas com as mãos delicadas e seguia,
disfarçadamente tocando a sua trompa. O desespero mostrava-se no seu rosto e
crescia a cada segundo. Pelo jeito da plateia, parece que só eu notei aquela
dor tão evidente.
A segunda música começou e o desespero continuava cada vez mais
acentuado. Eu segurava as minhas lágrimas. Gostaria de poder ajudar, mas não
sabia como. Comecei a procurar com os olhos, pelo chão, o que, sequer sabia o
que era. Os outros músicos, de quando em vez, baixavam os olhos a procurarem o
objeto, em solidariedade a amiga e colega da banda. Todo o esforço em vão, pois
nada era encontrado.
O Maestro faz uma pequena pausa
para eles, de pé, agradecerem os fervorosos aplausos e anunciar a próxima obra
que iriam apresentar. Nisso, alguém lá atrás faz um gesto e chama a atenção dos
componentes. Avisam discretamente, com um movimento de cabeça e olhos ao
Maestro, evitando que ele recomece o concerto. Este autoriza que a garota
receba o minúsculo objeto, o que ela faz com um sorriso no rosto, onde mostra a
felicidade imensa e principalmente o alívio que sente.
A música recomeça. A sala parece que fica mais bela e ouço a melodia
maravilhosa que aquele conjunto nos oferece naquela noite fria. Olho atentamente
o rosto daquela menina, que agora, de olhos fechados, parece engolir cada nota,
alimentando a alma e deixando transparecer o imenso alívio que sente.
Os meus olhos marejados acompanham cada
gesto dela. Prendo a minha atenção àquela criatura graciosa. E ela deixa-se
levar, enlevada, como se estivesse flutuando em nuvens. A sua expressão ficou
gravada em meu coração. O concerto termina e todos aplaudem, de pé. A orquestra
agradece lindamente. Se dispersa.
Aproximo-me dela e pergunto-lhe o que houve? Conto-lhe da minha aflição.
Ela ri e mostra-me a pequenina borracha preta que tapa um orifício do
instrumento, e diz-me sorrindo: - Sem esta borrachinha as notas não saem e eu
já estava desesperada, até que uma amiga achou ali atrás, no chão, e
entregou-me...
Parabenizo-a e digo-lhe que foi um maravilhoso concerto. Ela agradece
com um obrigada carinhoso. E eu vou pensando, enquanto caminho para a saída do
convívio, na importância de uma pequena borracha. Assim é a vida. Por mais que
se tenha e se saiba, é preciso uma borrachinha para dar o tom certo da música
que tocamos, senão, nada soará com beleza. Mesmo que esta falte num momento
qualquer, não devemos desesperar ou parar a música. É preciso seguir em frente.
Parabenizo-a pelo profissionalismo. Não sei o nome daquela menina, mas ela
mostrou-me isso. Não podemos desanimar e muito menos parar, mesmo que as notas
estejam mudas. Nunca esquecerei o lindo concerto.
Lígia Beltrão
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