O isolamento social representa um desafio tanto para casais que passaram a conviver 24 horas sem interrupção quanto para aqueles que agora estão separados
Loren Wylla Alves e Rafael Patrício tentam encontrar formas de suprir a vontade de estar o tempo todo juntos(foto: Arquivo Pessoal) |
Apesar de sintomas conhecidos, como febre, tosse e dificuldade para respirar, o novo coronavírus trouxe com ele uma série de dúvidas e de questionamentos. Entre incertezas sobre disseminação, contágio e prevenção, é fato que a Covid-19 impactou o modo de viver, de ir e vir e de se relacionar. Em tempos de quarentena, em um país de gente calorosa, como lidar com abraços, apertos de mão, beijos e namoros?
Em Brasília, a quarentena imposta pelo coronavírus gerou diferentes reações nos casais de namorados. Juntos há oito anos, a estudante de psicologia Isabella Righi Bernardes, 23 anos, e o namorado, o empresário Paulo Eduardo Ferraz de Lima, 25, tentam encontrar a melhor dinâmica para lidar com a situação. “Enquanto a gente conseguir, vamos tentar nos encontrar de uma forma saudável. É difícil ficar longe totalmente, mas não é algo que a gente descarta se for preciso”, comenta Isabella.
Acostumados a se encontrar três vezes na semana e nos fins de semana, os dois diminuíram os encontros e passaram a se ver em lugares abertos. “Tem uma proximidade, mas tentando não ser tão próximo fisicamente. A nossa maior preocupação é que a gente pode não ter o sintoma e passar para pessoas do grupo de risco”, detalha a estudante.
Para amenizar a saudade, o casal conversa por telefone, seja vídeo, seja mensagem. “Um está sempre na rotina do outro, isso é muito difícil de romper de imediato. Acho que estamos aprendendo com essa situação toda e pensando na saúde da nossa família”, diz ela.
A presença na rotina um do outro, mesmo que virtualmente, é uma das formas que os estudantes Loren Wylla Alves, 20, e Rafael Patrício, 23, encontraram de suprir a vontade de estar o tempo todo juntos. Depois de dois anos ensaiando um relacionamento, eles engataram um namoro há cinco meses, e aí veio a quarentena. Ela foi para a chácara dos pais, em Brazlândia, e ele ficou em casa, no Guará. “A gente sabe que a saudade dói, mas temos que ser bastante humanos nesse momento, é uma questão de consciência”, comenta Loren.
Como estudavam na mesma faculdade, era comum os dois se encontrarem diariamente. Há pouco mais de 10 dias sem se ver, apenas falando por vídeo, Loren confessa que a situação gera um receio. “É aquele medo de esfriar, de cair no esquecimento, de não saber lidar com a situação, até porque não sabemos quanto tempo isso vai durar. Então a gente sempre reforça nas ligações que, quando tudo passar, a gente estará junto novamente. Acima de todo apego, de todo amor, tem que ter essa empatia, essa consciência conjunta. Se existe sentimento e vontade de estar junto, passamos por cima da distância”, finaliza.
As mudanças também chegaram nas casas de casais que moram juntos. Há um ano, o empresário Gabriel Melo, 25, e a estudante de publicidade Maria Paula Kehrnvald, 22, dividem um apartamento na Asa Norte. Na quarentena, os dois optaram por se isolarem juntos em uma casa de Gabriel no Jardim Botânico. Na nova rotina, nada de compartilhar copo, talher, toalha ou itens pessoais.
Determinados hábitos, por outro lado, são feitos um com a companhia do outro, como malhar e estudar. “Com o excesso de convivência, um estimula o outro a não ficar parado, e isso não acontecia muito antes, até porque ele trabalhava e eu estudava durante o dia. Também notei que agora parece que está tudo bem a gente ficar em silêncio um do lado do outro. Não tem aquela obrigação de falar sempre. Acho que a relação evoluiu de certa forma”, afirma Maria Paula.
Ponte aérea
Distância física — ela em Brasília e ele em São Paulo — é uma realidade que a arquiteta Camila Castro, 27, e o administrador Vítor Pompeu, 29, encaram há três anos. Juntos há 10, os brasilienses precisaram estabelecer dinâmicas para driblar a saudade do abraço e do beijo muito antes de o novo coronavírus aparecer. “Sempre soube que o Vitor queria tentar algo fora. Quando chegou o momento, pela maturidade do nosso namoro, acho que deu certo pelo tempo que estávamos juntos. A gente já sabia o que queria”, relembra Camila.
Com uma relação madura, a arquiteta acredita que questões de insegurança e ciúmes, por exemplo, citadas por outros casais que convivem com a distância, não representaram problemas para os dois. “Agora, acho que está todo mundo no mesmo barco. É uma situação de medo geral, de preocupação com as outras pessoas”, avalia.
Na avaliação da arquiteta, criar uma relação com dinâmica virtual é diferente. “Esse processo é difícil e para cada um funciona de um jeito. Não é mandando uma mensagem que você vai manter um relacionamento”, pontua. Com uma certa experiência, Camila conta que ela e o noivo encontraram algumas estratégias para ficar mais próximos. Entre elas, assistir ao mesmo filme para conversar depois sobre o assunto e mandar entregar delivery de surpresa um para o outro, mesmo que em cidades diferentes.
“Vai muito de cada um do relacionamento, da dedicação, da maturidade. O coronavírus com certeza provoca uma frustração na vontade de se ver todos os dias, ainda mais hoje que as pessoas são muito imediatistas. É preciso ter um pouco de paciência. É uma situação conjuntural mais complexa, não é da vontade de ninguém estar longe da pessoa que ama”, completa Vítor.
Três perguntas para Regina Navarro Lins, psicanalista e escritora
O coronavírus vai deixar algum aprendizado para os casais?
Acredito que o coronavírus deixará algum aprendizado para todos nós. A quarentena forçada fez com que muitos casais na China pedissem o divórcio. Em situações de crise, é comum aparecerem aspectos que nos desagradam no outro e que não tinham espaço para se manifestar num cotidiano habitual. Poderíamos passar o resto da vida junto àquela pessoa sem perceber determinadas características de sua personalidade.
Quais as dúvidas que os seus leitores e seguidores têm demonstrado?
Ainda estamos bem no início desse processo de confinamento. Mas as pessoas já estão preocupadas. Atendo uma paciente que preferiu trabalhar na empresa do que em casa, como seus colegas estão fazendo. A alegação é de que não consegue ficar o dia inteiro com o marido grudado nela. Há casos também de o casal ter crianças em casa. A divisão do trabalho em relação a elas pode gerar conflitos.
O que indicaria para ajudar casais e namorados nesse período de quarentena?
Um aspecto fundamental é o respeito à própria individualidade e à do outro. O amor romântico, que povoa as mentalidades do Ocidente, propõe a fusão, ou seja, que os dois se transformem num só. Observamos então que é visto como natural um se meter na vida do outro, dizer o que o outro deve fazer, controlá-lo, etc. Mais do que nunca, isso pode gerar tantos conflitos que chegue a inviabilizar a própria relação.
Dicas
Confira as orientações para um relacionamento saudável mesmo no isolamento e para se manter feliz
Para casais
» Não deixe que o relacionamento se banalize. Ande em casa não como quem vai sair, mas coloque uma roupa ajeitada, porque o outro estará olhando para a sua imagem o tempo todo.
» Separe na agenda um momento do casal, no mínimo duas vezes na semana, para ficar juntos sem que seja para trabalhar, discutir, ou conversar sobre coronavírus.
» Preparem um banho juntos. Se tiverem banheira em casa, excelente. Se não, vão tomar um banho no chuveiro mesmo. Arrume uma iluminação, coloque uma música mais sensual, massageie um ao corpo do outro e aproveite esse momento dos dois.
Para quem vive sozinho
» É um excelente momento para praticar o autodesenvolvimento, ir atrás de cursos de desenvolvimento pessoal, ler o livro que você comprou e nunca teve tempo de ler, aprender a estar na sua companhia, agradar-se de estar com você.
» Em épocas de confinamento, lidamos com o nosso melhor e com o nosso pior, com o melhor do outro e com o pior do outro. Então, para quem vive sozinha, lidar com o seu desenvolvimento pessoal, com o silêncio, quais são as suas rotinas, como seu corpo funciona.
» Praticar a masturbação, o autotoque, principalmente para as mulheres, é importante. Isso também é autodescoberta. Esse momento é fundamental para, quando a quarentena acabar, estarmos prontos para compartilhar com o outro(a) os conhecimentos adquiridos.
Fonte: Cátia Damasceno, especialista em uroginecologia, sexualidade feminina e idealizadora do Programa Mulheres Bem Resolvidas
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