quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Cancelamento de reunião expõe desarmonia entre os três poderes



O mal-estar criado entre os três Poderes, evidenciado na fala do presidente do Senado, Renan Calheiros — que chamou de “juizeco” o magistrado que autorizou a prisão de quatro policiais legislativos na sexta-feira (21/10), no âmbito da Operação Métis —, levou o presidente Michel Temer a agir diretamente para tentar apaziguar os ânimos. Diante do clima de desarmonia, o peemedebista tentou costurar para esta quarta-feira (26/10) reunião conjunta entre Renan, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, que recusou o convite. Diante da negativa da magistrada, o encontro não ocorrerá, deixando ecoar o contra-ataque de Cármen Lúcia, que rebateu o presidente do Senado e afirmou, na manhã dessa terça-feira (25/10), que o Judiciário “exige respeito”.

A tensão, que levou o próprio Renan a pedir a Temer uma reunião entre os poderes, começou na sexta-feira, quando a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão no Senado, com a autorização do juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira. O presidente do Senado reclamou ainda na sexta do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes — responsável pela PF — por interferência em outro Poder e, anteontem, subiu o tom ao chamá-lo de “chefete de polícia”, agindo a mando de um “juizeco”, sem o aval da Suprema Corte. “Toda vez que um juiz de primeira instância usurpa as competências do STF, abre-se uma possibilidade de crise. Não podemos deixar que o país caia em uma crise institucional”, reiterou Renan.

Cármen Lúcia rebateu: “Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido”, afirmou. A ministra falou durante a abertura da sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “E não há a menor necessidade de numa convivência democrática livre e harmônica haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade”, disse a ministra. A resposta da presidente da Corte, porém, não fez Renan voltar atrás. “Enquanto qualquer juiz estiver usurpando as competências do STF não merece ser chamado no aumentativo”, disse ontem o presidente do Senado.



Antes de descartada a reunião, Renan disse que o encontro entre os três Poderes seria importante para manter a agenda de votações. O Planalto teme que o mal-estar se torne uma crise institucional a ponto de interferir na votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, no Senado. Por isso, Temer adotou um tom apaziguador para abrir o diálogo. O presidente do Senado afirmou que não haverá interferência, mas, entre interlocutores, a avaliação é de que não era possível calcular o risco. A PEC foi votada em segundo turno ontem na Câmara dos Deputados.

A postura de Renan abriu uma série de reclamações de associações de juízes e procuradores de todo o país, que acreditam que a declaração do senador demonstra o comportamento de alguém que “se acha acima da lei”. “As declarações são tão mais graves porquanto advindas do chefe de uma das Casas do Poder Legislativo, de quem se deveria sempre esperar a defesa da democracia e da ordem jurídica, e não menosprezo aos demais Poderes ou defesa de privilégios até territoriais absolutamente descabidos em uma República, e inexistentes na Constituição”, afirmou, por meio de nota, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.

Mas, ainda ontem, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, referendou a fala de Renan. “O momento foi de uma posição firme do presidente do Senado, e eu pessoalmente entendo que o presidente, quando diz que o diálogo com o Senado tem que ser estabelecido pela Suprema Corte, tem razão”, disse. Após uma reunião com Renan, Rodrigo Maia, que também havia sido convidado para a reunião no Planalto, prestou solidariedade ao colega e afirmou que a reclamação do senador “está 100% correta”. “Não houve respeito aos Poderes e a sua independência. A decisão do senador Renan foi correta em encaminhar a reclamação ao Supremo, é isso que cabe ao Legislativo. Vamos esperar a decisão do STF.”

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