Especialistas acreditam que a região continuará secundária para Washington
As primeiras gestões do presidente norte-americano, Donald Trump, em relação à América do Sul parecem tão confusas quanto o próprio governo. Em 27 dias à frente da Casa Branca, o magnata republicano demonstrou alinhamento com o colega argentino, Mauricio Macri, na tentativa de forçar uma saída diplomática para o caos na Venezuela (veja arte). Em contrapartida, não esboçou um compromisso mais firme com o Brasil, histórico parceiro comercial dos Estados Unidos. Tanto que o primeiro contato oficial durante a atual administração foi feito pelo vice, Mike Pence, com o presidente Michel Temer, na última segunda-feira. No telefonema, conversaram sobre as relações bilaterais e sobre interesses comuns para criar empregos e estimular o crescimento econômico. “O vice-presidente e o presidente Temer concordaram em manter-se em estreita comunicação para alcançar a visão compartilhada de um hemisfério estável e próspero”, informou o governo dos EUA, por meio de sua embaixada em Brasília.
Além de Macri, Trump busca no chefe de Estado peruano, Pedro Pablo Kuczynski, outro aliado de peso para tentar arrefecer os arroubos esquerdistas e anti-imperialistas do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. A Casa Branca impôs sanções econômicas ao vice venezuelano, Tareck El Asissam, envolto em acusação de ligações com o narcotráfico. Em um gesto de forte carga simbólica, o próprio Trump pediu ao Palácio de Miraflores, sem sucesso, a libertação do líder da oposição Leopoldo López, condenado a 13 anos e 9 meses de prisão. “A Venezuela deveria permitir que Leopoldo López, um prisioneiro político e marido de Lilian Tintori, saia da prisão imediatamente”, escreveu Trump em seu perfil no Twitter, anteontem.
Para Gunther Rudzit, professor de relações internacionais das Faculdades Rio Branco, é importante relativizar a diferença de tratamento dispensada por Trump aos líderes de Brasil e Argentina. “Macri e Trump tiveram negócios juntos, na década de 1980. Eles se identificam em linguagem e em ideias. Lógico que Macri é muito mais equilibrado que Trump. Essa ligação entre os dois facilita as coisas para a diplomacia portenha”, afirmou ao Correio, por telefone. Por sua vez, ele lembra que “o Brasil está no fundo do poço”. “Temos um governo interino, de transição, com a economia em crise profunda. Por isso, um tratamento diferenciado para a Argentina”, observa.
Rudzit explica que a preocupação da Casa Branca à Venezuela se baseia em interesses próprios. Segundo ele, a explosão de violência no país pode ter efeito desastroso para os Estados Unidos. “Em caso de guerra civil na Venezuela, imagine a onda de imigrantes que pode começar a chegar de vez lá, aqui no Brasil e na Colômbia. Trump tentará juntar o receio de todos para pressionar por uma transição democrática”, aposta.
Ignorância
Diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade Johns Hopkins, Riordan Roett dispara: “Os assessores de Trump nada sabem sobre a América Latina”. “Até que tenhamos profissionais no cargo, pouco vai ocorrer. Estamos vivendo tempos inquietantes nos EUA”, admite à reportagem. Ele minimiza o fato de Trump ter telefonado para Macri e não para Temer. “Trump e Pence parecem dividir os telefonemas, de forma aleatória.”
De acordo com o historiador britânico Kenneth Maxwell, brasilianista da Universidade de Harvard, Trump se mostra obcecado com o México, e isso será a maior mudança imediata nas relações com a América Latina. “O México colocou todos os seus ovos na cesta norte-americana quando negociou o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) com o presidente Bill Clinton, e isso voltou para assombrar o país, já que Trump culpa o pacto pela perda de capacidade industrial dos EUA”, disse ao Correio. “Com a construção do muro na fronteira e a perseguição aos ilegais, todos os latino-americanos sofrerão da mentalidade e do fervor nacionalista populista de ‘A América primeiro’. O Brasil poderia até desejar estar no topo da agenda, mas não acho que será.” Por outro lado, Maxwell prevê que o México buscará se reaproximar dos vizinhos sul-americanos.
Em relação à Venezuela, o especialista de Harvard relembra que os EUA tentaram exercer pressão sobre Caracas, no passado, sem obter sucesso. “Trump aumentou a aposta com o indiciamento do vice-presidente Tareck El Aissamo por tráfico de drogas. A pior coisa para a oposição seria sublinhar o apoio do governo norte-americano. Não haveria meio mais eficiente de perpetuar Maduro no poder. Se ele cair, será resultado do desastre de suas políticas domésticas”, disse Maxwell.
Rodrigo Craveiro
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