Estudo liderado por cientistas noruegueses mostra que a caquexia, caracterizada pela perda excessiva de peso em pacientes com câncer, pode estar relacionada ao aumento de substâncias que induzem à autodestruição da massa muscular
O tratamento do câncer de pulmão envolve o uso de um grande coquetel de medicamentos, o que faz com que grande parte dos pacientes perca o apetite e, consequentemente, emagreça durante a busca pela cura. Porém, essa diminuição de peso muitas vezes não é causada apenas pela redução da ingestão de alimentos, mas, sim, pela caquexia, uma complicação caracterizada pelo encolhimento de massa muscular, que ocorre com ou sem a perda de gordura. Cientistas noruegueses investigaram a causa dessa síndrome, que afeta pacientes com outros tipos de câncer e que ainda não é bem compreendida pelos médicos. Em um estudo publicado na revista internacional Scientific Reports, os pesquisadores analisaram amostras sanguíneas de pessoas e ratos de laboratório com tumores malignos. Como resultado, eles observaram que níveis mais altos de substâncias que induzem à autofagia (autodestruição) das células podem ser a causa da caquexia.
Especialistas conhecem há décadas essa complicação que atinge pacientes com tumores. O nome caquexia surgiu do grego antigo e significa “condição ruim”. Os autores do estudo destacam que cerca de 20 a 30% de pessoas com cancros que apresentam esse problema de saúde podem vir a óbito por causa dele e não em razão do tumor.
Devido à gravidade do problema, os pesquisadores resolveram estudá-lo mais a fundo. “Nosso objetivo é saber mais sobre o que acontece nos pacientes com câncer que desenvolvem perda de peso rápida e severa. As causas da caquexia são incompletamente compreendidas”, ressaltou Geir Bjorkoy, professor do Departamento de Bioengenharia da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU) e autor principal do estudo.
Segundo Bjorkoy, estudos anteriores mostraram as reações inflamatórias como uma possível causa da caquexia, porém essa suspeita não foi comprovada. Essa possível tese também não renderia tratamentos eficazes, uma vez que a inflamação é provocada pelo tumor, mas, em vários casos, ele não pode ser removido. “Infelizmente, muitas vezes os cancros não podem ser retirados, gostaríamos de encontrar outras estratégias que possam evitar essa condição nos pacientes e dessa forma aumentar as suas chances de sobrevivência”, justificou Bjorkoy.
No experimento, os cientistas analisaram amostras de sangue de centenas de pessoas com câncer de pulmão e de doadores saudáveis, além de células cancerígenas de ratos. Os pesquisadores descobriram que grande parte da coleta sanguínea de pacientes com tumores continha altos níveis de interleucina 6 (IL-6) e citocinas pró-inflamatórias. Ambos são compostos estimulantes autofágicos. Eles fazem com que as células do corpo se autodestruam. Células de câncer cultivadas em laboratório também apresentaram a mesma característica.
Os cientistas acreditam que a autofagia desencadeada por esses compostos pode estar ligada à caquexia, já que eles estimulariam as células musculares à autodestruição. “Encontramos essa perda de peso e atividade indutiva de autofagia em quase todas as amostras cancerígenas, mas principalmente em pacientes homens e também em camundongos machos. Acreditamos que o excesso dessas substâncias provoca um aceleramento autofágico, causando assim a caquexia, porém ainda não temos provas suficientes para comprovar esse achado, temos que estudar mais esse fenômeno e os mecanismos envolvidos nele”, destacou Bjorkoy.
Os autores do estudo adiantaram que suas próximas pesquisas darão foco para as características de cada tipo de tumor. “As amostras que usamos eram de pacientes com câncer de pulmão, mas também queremos estudar o cancro de mama e o de sangue. Neles, a caquexia é menos frequente. Queremos saber mais detalhes de cada um dos tumores para entender essa diferenciação e queremos esclarecer quais as diferenças ligadas ao gênero que foram vistas no experimento e que também precisam ser compreendidas para o uso e criação de outros medicamentos”, disse o líder da pesquisa.
Tratamentos
De acordo com os pesquisadores, as descobertas podem ser importantes para o tratamento de pacientes com câncer afetados pela caquexia, pois existem novos medicamentos que podem bloquear a sinalização descontrolada de IL-6 nas células do corpo. Os resultados do estudo também sugerem que a perda de peso excessiva pode ser reduzida por inibidores de autofagia, como a cloroquina, medicamento que tem sido usado para tratar a malária.
Daniel Gimenes, oncologista do Centro Paulista de Oncologia (CPO), assinalou que as constatações do estudo norueguês seguem a linha de outras pesquisas que tentaram decifrar os mecanismos ligados à caquexia. “A ligação da interleucina-6 como causa da caquexia é algo que já havia sido abordado por outros autores, e agora é reforçada nessa pesquisa. Ela faz com que ocorra a fraqueza muscular porque com a autofagia as células desse tecido (muscular) se destroem, um desequilíbrio que não ocorreria normalmente. E com essa perda muscular, por mais que a pessoa coma muito, mesmo que seja um alimento altamente calórico, o peso dela não vai voltar a ser o que era. Ou seja, não é tão fácil de se tratar”, ressaltou o especialista que não participou do estudo.
O oncologista também enfatizou que os medicamentos usados para combater a caquexia são poucos. “Essa perda de massa não ocorre em todos os tipos de tumores, ela é mais comum em câncer de pulmão e no de esôfago. Para tratá-lo, utilizamos corticoides e uma droga nova, chamada de tocilizumabe, que é usada originalmente para tratar doenças reumatológicas. Temos casos de outros medicamentos que começaram a ser testados em ratos, mas que, provavelmente por algum erro, infelizmente não tiveram continuidade”, detalhou o especialista.
“As amostras que usamos eram de pacientes com câncer de pulmão, mas também queremos estudar o cancro de mama e o de sangue. Queremos saber mais detalhes de cada um dos tumores para entender essa diferenciação e esclarecer quais as diferenças ligadas ao gênero que foram vistas no experimento.
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