Investigação da Polícia Civil mostra que esquema fraudulento continuou na capital federal 12 anos após a prisão dos principais acusados. Mais uma vez, Helio Ortiz é preso e investigado como líder da quadrilha
Hélio Ortiz foi preso em casa, na QE 15 do Guará 2: mesmo condenado, continuou a cobrar para aprovar candidatos em certames públicos do DF
Apesar do lançamento do edital do concurso da Câmara Legislativa, com previsão de 86 vagas, ontem, os concurseiros tiveram poucos motivos para comemorar. Às 6h, antes mesmo da publicação do certame no Diário Oficial do DF, a Polícia Civil deflagrou a Operação Panoptes, que revelou o retorno da Máfia dos Concursos, derrubada em 2005, à capital. A investigação aponta que a remodelada organização criminosa continua a garantir vagas em órgãos públicos a candidatos que pagam para serem aprovados. Com base em apurações preliminares, a Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) colocou em xeque todos os certames realizados em Brasília desde 2013 — os integrantes do esquema pretendiam, inclusive, fraudar a seleção do Legislativo local. “É bem difícil um candidato puro passar, hoje em dia, só estudando, porque a competição é com os fraudadores”, afirmou o delegado Brunno Ornelas.
Os policiais civis cumpriram ontem quatro mandados de prisão preventiva contra suspeitos de integrarem a quadrilha. Os presos são: Helio Garcia Ortiz, encarcerado em 2005, também acusado de liderar a Máfia dos Concursos; Bruno de Castro Garcia Ortiz, filho dele; Johann Gutemberg dos Santos; e Rafael Rodrigues da Silva Matias. Em cerca de quatro meses, a Deco identificou mais de 100 concurseiros que burlaram as regras de certames, com o apoio da organização criminosa. Os valores para garantir um posto na administração pública eram altos: pagava-se uma entrada, que variava entre R$ 5 mil e R$ 20 mil. Além disso, os concorrentes desembolsavam, após a aprovação, a cifra equivalente a 20 vezes à remuneração prevista no edital — a polícia encontrou um candidato que repassou uma casa avaliada em cerca de R$ 200 mil aos acusados.
Quando aliciava os candidatos, a quadrilha sequer exigia que o concorrente tivesse nível superior. Todos os certificados necessários poderiam ser providenciados pela organização criminosa. “Em alguns casos, foi fácil visualizar. A pessoa não tinha nível superior e, em uma empreitada só, conseguiu diploma, pós-graduação e vaga no concurso. Um pacote completo”, exemplificou o delegado Brunno Ornelas. E acrescentou: “Há um interesse muito grande em conduzir rapidamente as investigações. O concurso é a forma mais isonômica de alguém conseguir êxito e até essa fórmula está sendo burlada”.
A Deco reúne indícios de fraudes nos certames da Terracap, do Corpo de Bombeiros e da Secretaria de Saúde. As investigações, aliás, apontam que, além de lesar as seleções públicas, a quadrilha tentava impedir a atuação de outros criminosos. Em uma interceptação de mensagens colhida pela corporação, um interlocutor diz: “Nessa banca, além de fechar a prova, teremos de bloquear o sinal dos concorrentes”.
O estopim das investigações decorre de uma série de denúncias de irregularidades no concurso para o Corpo de Bombeiros do DF, há três meses. Duas pessoas que tentavam fraudar a prova foram identificadas. Assim, a investigação desvendou modalidades adotadas para driblar a concorrência cada vez elevada para a seleção de interessados em ingressar no serviço público (veja Fraude).
“Esquema certo”
A Justiça também autorizou a execução de 16 mandados de condução coercitiva e 12 de busca e apreensão em endereços de investigados — um deles em um faculdade de Taguatinga Norte. Os mandados foram expedidos pela Vara Criminal de Águas Claras. No sítio de Helio Ortiz, no Park Way, os agentes encontraram cerca de 200 galos de briga, o que decorre em crime ambiental. Na residência do presidente de uma das universidades envolvidas, Johann Gutemberg dos Santos, os policiais recolheram um carro roubado, um revólver Taurus calibre 38, além de munição. Por esse motivo, além do cumprimento da prisão preventiva, houve flagrante. Assim, Gutemberg passará por uma audiência de custódia.
Começaram às 8h40, as buscas no Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), o antigo Cespe, responsável por alguns certames. Os carros estacionaram na parte privativa dos prédios, que ficam na Universidade de Brasília (UnB). Os agentes passaram a maior parte da manhã na área de Assuntos Sigilosos, segundo fontes do Correio. Às 10h05, três equipes da Deco deixaram o local e três permanecem no local. Ao fim do dia, os agentes detinham dois CDs e um HD externo. Em nota, o Cebraspe informou que auxilia a investigação, além de ser “o maior interessado em esclarecer os fatos”. Procurada pelo Correio, a defesa dos quatro presos preventivamente não retornou as ligações.
Parte do esquema funciona hoje no mesmo modus operandi da chamada Máfia dos Concursos, descoberta em 2005, também pela Deco, na Operação Galileu. Para participar da Operação Panoptes, o comando da Polícia Civil escalou 10 escrivães, 25 delegados e 150 agentes, incluindo operações especiais e helicóptero.
Mitologia
O nome da operação é uma referência ao monstro gigante da mitologia grega que tinha uma centena de olhos. “A ideia é que seriam necessários cem olhos para conseguir enxergar e fiscalizar todos esses concursos que estão sendo fraudados, porque são muitos”, explica o delegado adjunto da Deco, Adriano Valente.
Quatro perguntas para
Adriano Valente, delegado adjunto da Deco
O senhor mencionou que a Deco identificou mais de 100 concurseiros que fraudaram certames. Essas pessoas serão intimadas a depor em quanto tempo?
Vamos continuar aprofundando as investigações. Não necessariamente todos serão intimados a prestar depoimento na delegacia. E, talvez, sejam necessárias medidas cautelares contra alguns, como pedidos de prisão temporária ou preventiva. Acreditamos que, em cerca de um ou dois meses, deflagraremos a segunda fase da operação.
Qual é o direcionamento da próxima etapa da Operação Panoptes?
Vamos focar em concorrentes suspeitos e indivíduos chamados de “pilotos”, especialistas que se inscrevem no concurso, resolvem, rapidamente, a sua parte da prova, deixam o local e passam o gabarito para o candidato que se encontra dentro da sala, realizando o concurso. Para cada fraude, são utilizados vários pilotos. Ademais, manteremos os olhos abertos em relação às demais organizações criminosas que atuam na área — foram identificadas mais de três — e às bancas organizadoras.
Quais penalidades podem recair sobre os concorrentes que burlaram o sistema?
A Polícia Civil os indiciará por fraude em certame de interesse público. A depender do nível de conexão com os idealizadores do esquema e com o formato da fraude, cabe o enquadramento, ainda, nos crimes de organização criminosa, falsidade ideológica e estelionato. Também oficiaremos os órgãos de origem desses fraudadores para que sanções administrativas, como o desligamento, sejam aplicadas.
Quem fraudou qualquer certame corre o risco de devolver a remuneração, recebida ao longo dos anos, à administração pública?
Chegamos a discutir isso na delegacia. O pedido cabe ao Ministério Público e a avaliação, ao Judiciário. O que os tribunais vêm entendendo é que, apesar de os servidores terem entrado ilicitamente na administração, eles têm direito ao salário. A teoria é que a devolução do dinheiro não seria justa, uma vez que o Estado enriqueceria às custas do trabalho alheio. Mas nada impede que, em casos específicos, o magistrado profira outra sentença.
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