Daquele quintal correu para todas as partes do mundo. Ali lia, quando
lhe era permitido, algum livro que a transportava além da sua imaginação. Seus
sonhos cresciam como as heras que subiam muro acima e perdiam-se na altura
quase gigante daquela parede de tijolos vermelhos, monumento intransponível
para os seus poucos anos de criatura sonhadora.
O tempo correu sem que ela se percebesse da invulnerabilidade dos dias.
Até que um príncipe a levou além do muro para conhecer a vida, agora de adulta,
não tão livre quanto sonhara, mas uma vida toda sua, onde as suas vontades eram
respeitadas mesmo que os seus sonhos mudassem de olhos com o passar do tempo,
onde construiu uma janela para ver o horizonte se descortinando ao longe,
porém, tinha receios de olhar por ela. O mundo era um bicho que devora sonhos e
vidas. Metia-lhe medo.
Seus cabelos negros foram mudando de cor. O seu rosto desenhou caminhos
que se cruzavam aqui e acolá. As suas mãos estavam ficando cansadas e as
histórias que imaginava tremulavam com a fragilidade dos desencantos. Como
sempre, precisava manter-se forte. Tinha agora uma família que dependia dela
para viver. Engolia o sal das lágrimas por entre os risos da resignação. Até
que o príncipe partiu, não no galope de um cavalo, mas encantou-se nas brumas.
Para sempre. Ela não podia chorar tinha que continuar sendo forte e dura como
as rochas. Abriu a janela para a vida...
E esperançosa, debruçou-se na janela do tempo. Procurava o seu amor. O
vento zunia, cantando baixinho uma canção de saudade. Ela imaginava seu sorriso
gostoso, escancarado, após contar uma piada, mesmo que não tivesse muita
graça... Ela ria não da piada, mas daquele sorriso carente de afeto, de abraços
apertados, de beijos de amor, que ela fazia questão de dar-lhe. Gostava de
mimar os seus, de dar-lhes tudo o que nunca teve, de fazê-los felizes, mesmo
que também estivesse aprendendo a sê-lo.
Pensava que tudo fora um sonho. Um sonho ruim que tinha vindo zombar do
seu coração e brincava com ela de faz de conta. Suspirou desencantada... Todos
os seus sentidos gritavam por ele. Só o canto dos grilos e o coaxar dos sapos
se misturavam ao som dos ventos e quebravam o silencio da noite escura. A lua
alumiava, era plenilúnio, mas ela havia esquecido quanto amava a lua cheia e só
via o escuro do tempo.
Ela se fazia desejos e era vencida pela dor da solidão. Seus olhos,
sempre sorridentes, viraram oceanos profundos donde suas águas salgadas
inundavam seu coração dorido. Escutava a gargalhada que se distanciava e se
perdia no vácuo do tempo. Vestiu-se de saudade. Tinha sido realmente feliz?
O seu passado encantara-se, no desconhecido das horas infindáveis do
eterno. Uma estrela piscou-lhe, esperou que descesse mais baixo, com intenções
de tentar pegá-la. Inutilmente fez seu pedido como quando criança, mas era
impossível reverter à vida. Não tinha príncipe montado em cavalo branco de
crinas douradas, como pensava quando criança. Só no seu coração o amor era um
achado eterno, como todos os amores. Suspirou
novamente, fechou a janela do tempo e foi dormir. O sonho também dormiu e
juntos viram chegar o seu grande e verdadeiro amor. Ela se fez, finalmente,
mulher!
Lígia Beltrão
Nenhum comentário:
Postar um comentário