* Givaldo Calado de Freitas
Meu amigo Lucas me ligou nessa quarta-feira de cinzas. Estava
eu, ainda, recolhido à minha alcova, mas já pronto para o desjejum. "Mas,
já?" - disse a mim mesmo - "nesse primeiro dia da Quaresma, a ser
comemorada por nós cristãos ocidentais ao longo dos próximos quarenta e cinco
dias?"
E, eu, pecador, estou entre eles porque cristão ocidental. E,
por cima, católico apostólico romano. Sobretudo, depois da entronização de
Jorge Mario Bergoglio, na cadeira de Pedro com a santidade interior e as
práticas de São Francisco, máxime com suas ações pelos mais pobres. E,
inclusive, com seu nome: Papa Francisco. Que encantou e encanta o mundo com
suas práticas misericordiosas. Que o mundo todo estava a desejar.
Mas eu dizia que nesse santo dia - o primeiro de tantos - eu
recebera uma ligação do amigo, Lucas. “Mas, amigo, que quer que eu faça? Não
sou do mundo artístico. Das músicas, dou minhas opiniões porque tenho ouvidos.
Por eles distinguo as músicas que, para mim, prestam e as que, para mim, não
prestam. Ou, como diz você, às que irão às paradas e as que devem ser postas no
lixo.
Por eles, sim, meu amigo. Por meus ouvidos, posso dizer que as
boas músicas são eternas. E, nessa perspectiva jamais seriam atingidas por
tiros ou balas perdidas, como virou moda em nosso país. Até porque, amigo,
tiros com alvos ou perdidos, matam. Mas são incapazes de matar músicas de
qualidade, que vieram pra ficar. E ficar, eternamente, porque contemplativas
por nossas mentes".
Posto que sabendo a que gênero de música se referia Lucas,
disse-lhe: "Sei que você quer minha opinião sobre as marchinhas que
desfilaram neste carnaval de 2018. Estou certo? Pois bem! Vou recuar um pouco
no tempo para poder lhe fazer uma pergunta. Você lembra, não? Da marchinha
'ABRE ALAS', de Chiquinha Gonzaga, do incrível ano de 1899, animando nossos
carnavais de lá, até hoje?
Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Eu sou da lira não posso negar
Ó abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Eu sou da lira não posso negar
E também de 'MAMÃE EU QUERO', de Jararaca, de 1936?
Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar
Dá a chupeta, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebê não chorar
Mamãe eu quero mamar
Dá a chupeta, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebê não chorar
Ainda ALLAH-LÁ-Ó, de Haroldo Lobo, de 1940?
Allah-lá-ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Mas que calor, ô, ô, ô, ô, ô, ô
atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou a nossa cara
Mas que calor, ô, ô, ô, ô, ô, ô
atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou a nossa cara
E tantas e tantas mais como 'Ô Balancê', de Braguinha - 1936;
'Aurora', de Mário Lago - 1940; 'Cabeleira do Zezé', de João Roberto Kelly,
esta de ontem - 1963?
Pois bem! Só essa última nasceu pouco depois de você, já que
você é de 1960. E todas, desde ABRE ALAS, presentes em nossos carnavais. Porque
imorredouras. Porque eternas.
Do outro lado, as músicas, as marchinhas que você manda pro
lixo, elas já nasceram moribundas. Portanto, com morte anunciada. Sem direito
de chegar às paradas, mesmo por ousadia, mesmo por intromissão de seus autores.
Elas, mal aparecem, e morrem. Morrem da memória do carnavalesco, mesmo este
recolhido por alguma razão. Porque indébitas. Porque acinzentadas... porque
distantes da genial construção das músicas, das marchinhas... que não deixamos
de cantar por anos e anos; décadas e décadas.... E, mal termina o tríduo
momesco, esses lixos de que você fala, mesmo sem bala com alvo ou bala perdida,
morrem. Morrem para nunca mais voltar anos seguintes.
É isso, amigo, que penso das músicas ou marchinhas que você
chama de 'lixos', posto que nesse carnaval procurei me recolher para avançar um
pouco nas minhas leituras e nas minhas linhas, e, portanto, não tê-las ouvido.
Mas sem tirar da mente as palavras que ouvira de Dom Hélder Câmara: 'Não sei o
que pesa mais diante de Deus: se os excessos aqui e ali, cometidos por foliões,
ou o farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais
santo por não brincar carnaval'.
E, ainda, palavras do passado, mas atuais para nossos dias a
dia, referidas por Ribeiro Couto: 'O carnaval é a única festa nacional que
consola a gente do calor, da queda do mil-réis, da política dos progamas de
salvação pública...'.
Brinquei muitos e ainda hei de brincar muitos carnavais. Não sou
de esconder minhas emoções, sobretudo diante de mais um santo da minha Igreja.
E, por não tê-lo feito esse ano, pouco posso ajudar a você, amigo, nessa sua
obsessão que querer levar ao 'lixo' algumas músicas - marchinhas, sambinhas, frevinhos
- de autores desejosos de ascenderem às paradas nesse Carnaval 2018".
Não sei se meu amigo, Lucas, gostou de minhas elucubrações.
Penso que não. Contudo, fui-lhe muito sincero como sempre sou e hei de ser com
um amigo.
* Figura Pública. Empresário.
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