Apesar do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e do adiamento do julgamento, as restrições ao benefício de as autoridades serem julgadas em instâncias superiores já têm o apoio declarado de quatro ministros
Alexandre de Moraes (o primeiro da direita para a esquerda): depois de discorrer durante duas horas sobre o foro privilegiado, ministro pediu vista e adiou julgamentoMesmo com o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e o adiamento do julgamento, a restrição ao foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) já conta com o voto de quatro ministros. Se mais dois magistrados entenderem que é necessário mudar a forma como a prerrogativa por função é tratada no país, a maioria dos processos contra agentes políticos cairão para a primeira instância, e a maneira de se fazer política deve mudar. Ainda não há data para que o julgamento seja retomado.Em uma questão de ordem a respeito de uma ação penal que vem pulando de instâncias desde 2008, por causa de mudanças de cargo do réu, o ministro relator Luís Roberto Barroso sugeriu que a prerrogativa seja aplicada apenas para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. “Não tenho como especular o que vai acontecer. O pedido de vista faz parte da lógica do Supremo e o ministro Alexandre de Moraes disse que seria breve no retorno. Há uma demanda social para a solução desse problema, e uma melhor interpretação constitucional dessa matéria atende a essa demanda”, afirmou Barroso na saída do julgamento.
Barroso também sugere na ação penal um momento em que a ação pare de mudar de instância processual, independentemente de uma eventual alteração de cargo do réu. Para o ministro, o ideal seria que, após o final da instrução processual, a competência se fixasse. A ministra Rosa Weber e a presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia, acompanharam Barroso integralmente nas duas questões de ordem. Já o ministro Marco Aurélio Mello votou a favor da restrição do foro privilegiado, mas, para ele, caso o réu deixe o cargo, o processo deve ir para a primeira instância. “A autoridade deixando o cargo, cessa a prerrogativa de foro, e o processo-crime fica em definitivo na primeira instância”, votou Marco Aurélio.
Primeiro a votar na sessão de ontem à tarde, antes de pedir vista, Moraes discorreu por quase duas horas sobre as inconsistências que uma alteração na interpretação poderia causar e discordou das afirmações de Barroso de que o foro trazia impunidade e desprestígio à Suprema Corte. “Não há nenhuma pesquisa estatística que compare o grau de efetividade das ações penais antes e depois do aumento das hipóteses de foro privilegiado. Não há nenhuma estatística confiável que confirme que as autoridades passaram a obter uma impunidade maior a partir da ampliação do foro. E também não há como se dizer que o STF não é eficiente como a primeira instância.”
Moraes também destacou a preocupação com o comportamento de juízes de primeira instância caso o foro seja extinto. Para o ministro, a história brasileira mostra o contrário. “Eu pergunto, olhando para trás, se antes nós tínhamos um histórico de combate à corrupção das elites políticas e econômicas. E respondo. Absoluta certeza que não. Essa é uma das chagas da história brasileira.” As críticas de Moraes sobre a associação do foro privilegiado à impunidade e a uma suposta ineficiência do STF foram acompanhadas pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Na opinião de Barroso, não é uma questão de eficiência, mas de princípios. “Todos nós temos gabinetes relativamente em dia. Se alguém tem a proteção do foro de prerrogativa fora das funções, ele passa a ser um privilégio pessoal e isso contraria a determinação de igualdade. O sistema não funciona. Se não houvesse impunidade, não haveria esse empenho, essa disputa para se manter em um cargo que tem jurisdição no STF.”
SenadoUma das preocupações que surgem com o avanço do fim do foro privilegiado no Supremo e no Congresso, diante da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/13 no Senado, é se as matérias são conflitantes. A PEC mantém a prerrogativa somente para os presidentes dos Três Poderes. De acordo com o ministro Barroso, são duas coisas distintas e não contraditórias. “O Senado aprovou a redução no número de agentes públicos que têm o benefício do foro e acho que fez isso em boa hora. O que o Supremo está decidindo é a extensão material do foro, ou seja, quais são os tipos de atos que geram o foro privilegiado.”
Já o relator da PEC, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), acredita que a proposta do Senado é mais ampla, pois, praticamente, acaba com o foro, enquanto a do STF modula a prerrogativa. “Se a Câmara aprovar a PEC antes de terminar o julgamento no Supremo, ele nem fará mais sentido. Pelo STF, o entendimento é de que o foro seja aplicado só para crimes cometidos durante o mandato. Na nossa proposta, não importa o momento em que o crime foi cometido.” O senador afirma, inclusive, que a decisão do STF terá pouca eficácia em relação à Operação Lava-Jato. De acordo com estudos feitos por sua assessoria, se o entendimento do ministro Barroso for vencedor, 60% dos casos que envolvem senadores na operação permanecerão no STF, pois teriam sido cometidos no exercício do mandato.
Os caminhosQuatro ministros já votaram a favor da restrição do foro privilegiado
Luís Roberto Barroso (relator)
“O sistema é tão ruim que uma eventual nomeação de alguém para um cargo que desfrute de foro é tratado como obstrução de Justiça, em tese. É quase uma humilhação ao Supremo”
Marco Aurélio Mello
“O princípio leva ao que eu chamo de elevador processual”
Rosa Weber
“O instituto do foro especial, pelo qual não tenho a menor simpatia, só encontra razão de ser na dignidade do cargo e não na pessoa que o ocupa”
Cármen Lúcia
“O foro não é escolha, e prerrogativa não é privilégio. A igualdade determinada pela Constituição não é uma opção”
Entenda o caso
O que muda, segundo a proposta do STF
O ministro Barroso propõe uma restrição na interpretação dada à prerrogativa de foro atualmente. O parlamentar seria processado e julgado no Supremo somente se o ato ilícito que ele cometer for durante o exercício do mandato e tiver relação com a função. Por exemplo, se um deputado for acusado de fraudar uma escritura de um imóvel, esse processo irá para a primeira instância porque não teria relação com o cargo. Além disso, Barroso quer limitar um prazo para que o processo mude de instâncias caso o político deixe de exercer o cargo ou seja eleito para outra função.
O que muda, segundo a proposta do Senado
A Proposta de Emenda à Constituição 10/13, aprovada no Senado, extingue o foro por prerrogativa de função para todas as autoridades do país, com exceção aos presidentes dos Três Poderes. Como é uma alteração na Constituição, caso a Câmara aprove a proposta, o entendimento do Supremo perde força e terá de ser revisto.
Estima-se que mais de 36 mil autoridades do país tenham foro privilegiado.
Tramitam no Supremo mais de 500 processos (435 inquéritos e 101 ações penais) contra agentes políticos.
O tempo médio para a conclusão de um processo no STF é de 1.377 dias.
Duas em cada três ações penais nem sequer chegam a ter o mérito da acusação analisado pelo Supremo, em razão do declínio de competência (63,6% das decisões) ou da prescrição (4,7%).
Fonte: V Relatório Supremo em Números
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