“ Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antônio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.”
Era na calçada do Edifício Sigismundo Cabral, na Avenida Guararapes, nº 147, que os boêmios do Recife se reversavam nas cadeiras de metal do antigo Bar Savoy, reduto de jornalistas, políticos, estudantes e artistas que, por muitos anos, viu seus espaços internos e externos serem ocupados por frequentadores ilustres e anônimos.
O poema Chopp, de Carlos Pena Filho (1929/1960), citado acima, é uma fidedigna descrição do auge do Centro do Recife, na época em que, além de ser o centro comercial e intelectual da cidade, recebia os bon vivants para o happy hour.
Fundado em 1944 por um imigrante espanhol, o Bar Savoy logo cairia nas graças da boemia devido a sua localização. Fincado em uma das principais vias do coração da capital pernambucana, ele se tornaria o preferido de Lula Cardoso Ayres, Capiba, Ascenso Ferreira, Mauro Mota, Carlos Pena, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Gilberto Freyree de tantos outros.
Em meio à ditadura militar instaurada no Brasil, o Savoy era um diretório velado de pensadores que discutiam a redemocratização do país, mas também recebia jovens que queriam apenas se exibir e paquerar.
Entre uma cerveja e outra, era comum ocorrer concursos literários, saraus e notáveis visitas. Foram os casos de Jorge Amado, Heitor Villa-Lobos, Roberto Rosselini, Jean-Paul Sartre, Roberto Burle Marx e Simone de Beauvoir que, segundo registrou Edilberto Coutinho (1938/1995) em sua obra póstuma Bar Savoy (1995), deram o ar da graça no lugar.
Um bar para se reter na memória
Chope talvez seja a mais famosa homenagem poética que o Savoy tenha recebido, mas não foi a única. O jornalista e escritor recifense, Urariano Mota, também demonstrou o sentimento que o bar despertava em diversas ocasiões em sua produção literária.
O Savoy aparece, entre outros títulos, em seu Dicionário Amoroso do Recife (2014) e no livro Corações Futuristas (1999), “como um objeto de desejo pelo cheiro maravilhoso de cerveja, pelas coxinhas de galinha fantásticas, que mordiam mais que o sexo em adolescentes suburbanos, desempregados”.
Em conversa com o canal Coração da Cidade, Urariano relembra do privilégio que foi ter frequentado o Bar Savoy. “Pra você ter ideia, as paredes internas do Savoy – porque preferíamos beber na calçada, pra ver “o movimento”- eram de fotos do francês Edmond Dansot, ilustrando o poema de Carlos Penas Filho. Imagine o que é beber num bar com os versos nas paredes?”, disse.
O Bar Savoy não era o maior em estrutura nem o mais requintado ponto de encontro do Recife. Mas, de acordo com Urariano, a grandeza do lugar se dava pela relação construída com a população.
“Foi o primeiro bar do Recife no afeto, e podemos até dizer, o primeiro sem segundo. A memória desse bar deveria ser retida por todo pernambucano de origem ou formação”.
A morte do poeta Carlos Pena, em 1 de julho de 1960, e sua ausência no Savoy a partir do fato também viraram versos por Mauro Mota (1911/1984) e foram, posteriormente, afixados nas paredes do bar.
São agora vinte e nove./ Os homens do bar Savoy./ Vinte e nove que se contam./
Falta um, para onde foi?/ Vinte e nove homens tristes/ Dentro deles, como dói/
A ausência do poeta Carlos/ Na mesa do bar Savoy.
Falta um, para onde foi?/ Vinte e nove homens tristes/ Dentro deles, como dói/
A ausência do poeta Carlos/ Na mesa do bar Savoy.
À espera da revitalização
Durante os anos 1990, o Bar Savoy já demonstrava falta de vitalidade quando, no primeiro andar, surgiu o Recanto do Poeta, uma tentativa de resistir ao contrafluxo que começava a tomar conta da região.
A trajetória do Bar Savoy diz muito sobre o que ocorre no Centro do Recife, na medida em que o abandono ao patrimônio histórico e cultural e a emigração da população para os bairros periféricos custam a sobrevivência da região.
“O que foi o centro do Recife, quando o vejo à noite, me dá uma dor no coração”, revela Urariano.
O Edifício Sigismundo Cabral, prédio onde ficava localizado o Bar Savoy, foi comprado por um grupo educacional que, em meados de 2009, chegou a anunciar sua reabertura em formato de espaço cultural.
Enquanto aguarda a tão sonhada revitalização para voltar a ver a disputa por mesas, cadeiras, cerveja e poesia, o Savoy assiste, de portas fechadas, a concorrência diária de pedestres, vendedores e andaimes em uma das calçadas mais importantes e lembradas do Recife.
Por Manuel Borges
Jornalista matuto que trocou o gosto da cana pelo cheiro do mangue. Adora passear por locais, histórias, cultura, picos/festas/bares, personalidades e humor sempre tendo o Centro, o coração da Cidade do Recife, como tema. Instagram: @manecoborges.
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