Quero retroceder, mas é impossível. O que foi feito está e não há como
desmanchar agora. Resta-me o consolo de que o fim pode ser diferente. E é.
Basta que eu o faça do meu jeito. Escrevinhe os sonhos e tente fazê-los vivos.
Reais. O poeta Daniel Lima disse: “/E o
próprio impossível/é vontade absurda de existir./ E nisso existe.” e assim
me vou reinventando e existindo. Vivenciando
e vivendo, porque eu vivo inteiramente o que me é ofertado, além de buscar
fazer reais os meus sonhos.
Uma interação silenciosa firma-se na simbiose da cumplicidade do meu eu
com o tempo, e assim firmo em mim mesma a pretensa vontade de viver. Impossível
decifrar o mistério da existência, mas existo e me dou inteira às palavras que
perscruto dentro dos meus sonhos. Se nego a mim mesma o direito da
espontaneidade, preciso assumir a consciência da incompletude, mesmo que isso
faça de mim meia pessoa. A minha humanidade rejeita qualquer verbo conjugado no
imperativo, pois sou senhora das minhas ações e dos meus desejos, mas sou só
humana.
Não queiram que eu me curve diante do mundo, porque não seria eu, porém
reverencio a qualquer um que seja vivente nesta tira de terra enxertada de
egoísmo, mas deem-me o direito de querer ser eu mesma. Careço de horizontes
imensos onde possa voar e devanear, mas também de portos seguros, para chorar
os meus medos de quando em vez. Preciso captar o inexistente de mim. O
implícito revela-se na minha alma, e é tão meu que preciso incontrolavelmente
preservá-lo. Gosto daquele canto que é meu dentro de mim. Faço-me assim,
eternidade nas palavras. A única eternidade possível. Mais uma vez Daniel Lima me
socorre com seus versos: “Sufocarei se
não gritar agora./Deixa, Senhor, que eu blasfeme/na danação desta hora”.
Os meus dias são tecidos pela espera do crepúsculo. Recolho os meus
retalhos sossegadamente e relembro cenas que ficaram para trás. Reclamo portas
de saída, nasço toda hora, e morro e renasço de novo para reinventar a própria vida.
E sigo. Quando a noite chegar, e me agasalhar com a recatada intimidade que lhe
acompanha, então eu, certamente sentir-me-ei salva, porque no escuro, os meus
olhos alumiarão o imperceptível de mim e terei a coragem de desnudar-me inteira
perante eu mesma, e conversarei com os meus eus guardados sei lá por onde e não
esperarei por respostas. Não perderei nem um décimo desse tempo que me resta,
que é tão pouco agora.
Persistirei no melhor de mim, pois é imprescindível continuar. Persistência
é ter certeza de "poder". Na vida devemos subir um degrau de cada
vez, não importa se o lugar é perto, ou, se é no infinito... O que nos dá a
certeza da chegada é termos a coragem de darmos o primeiro passo levando
conosco a vontade e a humildade como companhia. Esta força que renasce a cada
dia e nos faz ter a coragem de ir buscar algo é que nos impulsiona e nos faz
fitar estrelas, ainda que o céu chore a incógnita do dia.
Celebrarei a cerimônia da aceitação e da lágrima como certeza do que se
está a findar, ainda que eu, na minha teimosia, espere mais vida.
Provisoriamente vou vivendo os instantes, pois é deles que se vive. Ainda que
eu me perca e me ache em cada um deles nunca desistirei, pois tenho a liberdade
de ser eu mesma com todas as minhas circunstâncias. A vida é para ser vivida
intensamente...
Lígia Beltrão
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