segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Estradas


      
Não quero contar o tempo. Não nesse momento em que faço cálculos e vejo que mais da metade da estrada já foi caminhada. Prefiro a incerteza dos amanhãs. Olho o tempo rodopiando em volta de mim mostrando-me que não há volta, e seguir em frente é urgente, nem que para isso eu me perca na esquina mais próxima. A sinuosidade da vida mostra que uma reta me espera para assinalar o fim do caminho.
       Quero retroceder, mas é impossível. O que foi feito está e não há como desmanchar agora. Resta-me o consolo de que o fim pode ser diferente. E é. Basta que eu o faça do meu jeito. Escrevinhe os sonhos e tente fazê-los vivos. Reais. O poeta Daniel Lima disse: “/E o próprio impossível/é vontade absurda de existir./ E nisso existe.” e assim me vou reinventando e existindo. Vivenciando e vivendo, porque eu vivo inteiramente o que me é ofertado, além de buscar fazer reais os meus sonhos.
       Uma interação silenciosa firma-se na simbiose da cumplicidade do meu eu com o tempo, e assim firmo em mim mesma a pretensa vontade de viver. Impossível decifrar o mistério da existência, mas existo e me dou inteira às palavras que perscruto dentro dos meus sonhos. Se nego a mim mesma o direito da espontaneidade, preciso assumir a consciência da incompletude, mesmo que isso faça de mim meia pessoa. A minha humanidade rejeita qualquer verbo conjugado no imperativo, pois sou senhora das minhas ações e dos meus desejos, mas sou só humana.
       Não queiram que eu me curve diante do mundo, porque não seria eu, porém reverencio a qualquer um que seja vivente nesta tira de terra enxertada de egoísmo, mas deem-me o direito de querer ser eu mesma. Careço de horizontes imensos onde possa voar e devanear, mas também de portos seguros, para chorar os meus medos de quando em vez. Preciso captar o inexistente de mim. O implícito revela-se na minha alma, e é tão meu que preciso incontrolavelmente preservá-lo. Gosto daquele canto que é meu dentro de mim. Faço-me assim, eternidade nas palavras. A única eternidade possível. Mais uma vez Daniel Lima me socorre com seus versos: “Sufocarei se não gritar agora./Deixa, Senhor, que eu blasfeme/na danação desta hora”.
       Os meus dias são tecidos pela espera do crepúsculo. Recolho os meus retalhos sossegadamente e relembro cenas que ficaram para trás. Reclamo portas de saída, nasço toda hora, e morro e renasço de novo para reinventar a própria vida. E sigo. Quando a noite chegar, e me agasalhar com a recatada intimidade que lhe acompanha, então eu, certamente sentir-me-ei salva, porque no escuro, os meus olhos alumiarão o imperceptível de mim e terei a coragem de desnudar-me inteira perante eu mesma, e conversarei com os meus eus guardados sei lá por onde e não esperarei por respostas. Não perderei nem um décimo desse tempo que me resta, que é tão pouco agora.
       Persistirei no melhor de mim, pois é imprescindível continuar. Persistência é ter certeza de "poder". Na vida devemos subir um degrau de cada vez, não importa se o lugar é perto, ou, se é no infinito... O que nos dá a certeza da chegada é termos a coragem de darmos o primeiro passo levando conosco a vontade e a humildade como companhia. Esta força que renasce a cada dia e nos faz ter a coragem de ir buscar algo é que nos impulsiona e nos faz fitar estrelas, ainda que o céu chore a incógnita do dia.
       Celebrarei a cerimônia da aceitação e da lágrima como certeza do que se está a findar, ainda que eu, na minha teimosia, espere mais vida. Provisoriamente vou vivendo os instantes, pois é deles que se vive. Ainda que eu me perca e me ache em cada um deles nunca desistirei, pois tenho a liberdade de ser eu mesma com todas as minhas circunstâncias. A vida é para ser vivida intensamente...

                                                      Lígia Beltrão     

Nenhum comentário:

Postar um comentário