Saiu à rua olhando para os lados a procura, não sabia de quê.
Cumprimentou a vizinha com um sorriso. Por instantes esqueceu os pensamentos
que assombravam a sua mente nos últimos dias. Precisava caminhar um pouco.
Aliviar a tensão e o cansaço que sentia. Olhava as casas fechadas, os telhados
mofados com enormes buracos pela falta de telhas, as paredes rachadas pedindo
reforços urgentes, e as silvas se espalhando por todos os lados com a
imponência dos seus espinhos. A vida treme nas pernas bambas das incertezas,
pensava ela, enquanto olhava a pequena aldeia ir acabando lentamente e se
enterrando no próprio descaso, abandonada por todos.
Caminhava sem destino certo. Queria caminhar, só isso. Encontra pelo
caminho uma ou outra pessoa, que fala com ela alegremente. Responde sempre
educadamente. É simpática com todos, mas não lhe apetecia parar para conversar
com ninguém. Sentia uma dor inexplicável na alma, e aquela era só sua,
precisava senti-la para nada dever a aos seus tantos dias de vida.
Ainda há vida em alguns olhos baços das matas ressequidas. Não cuidam
mais de nada e tudo vai desmaiando de solidão por aqueles campos que um dia,
não muito distante, já foram plantações que mataram a fome de todos. Ela engole
um soluço sufocado e apressa o passo. Tem pressa de voltar, mesmo sem saber por
que. O sol cobre de dourado os picos das serras ao derredor, fazendo descer
fachos de luz pelas ruas silenciosas, vestindo o dia de um amarelo pálido. O
tempo parece estar doente e passa sem a sua permissão, para que ela possa
entender a sua pequenez neste mundo.
Não ouvia os sons externos, pois os seus ruídos vinham de dentro. Enxugou
uma lágrima disfarçadamente. Estará sozinha nesta explosão interior? Os terrenos
baldios vigiam de olhos tristes os seus passos ansiosos. A brisa sussurra timidamente
para não atrapalhar a intimidade daquele encontro dela com ela mesma. Há cheiro
de lavanda no ar. Deteve a caminhada, pois o sino da pequena capela solitária
dobra-se agora, tristemente, anunciando uma saudade.
Volta pelo mesmo caminho com o coração sangrando pelos olhos. Não
consegue conter aquele mar salgado que se derrama em seu rosto. Arruma os
óculos escuros para esconder-se do instante e caminha ainda mais apressada. De
longe já vê movimento na capela e segue para lá. As pessoas vão chegando de
cabeça baixa, cumprimentam-se sem saberem o que dizer. Fora, formam pequenos
grupos para falarem e recordarem daquele que fez história no lugar. Era amigo
dos amigos. Nunca seria esquecido. Aquele seu jeito com todos fizera dele
criatura especial. Ela não queria, mas foi mais forte, olha o seu rosto magro e
agora sereno. Nada mais há a dizer. Só um adeus mudo sai do seu coração
sofrido. Volta-se e sai do velório em direção à vida. Pensa em como é Divino viver.
Está na mesma fila esperando a sua vez... A vida fragmentada, ainda pulsa nas
suas veias. Haverá de juntar os retalhos, com o tempo.
A sua dor agora estava estagnada em anódinos murmúrios.
(*) Lígia Beltrão é cronista do jornal O Columinho e atualmente mora em Portugal
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