De 21 a 28 de julho,
cinco atrações trazem importantes debates sobre a arte contemporânea, seja
através dos suportes ou de discussões importantes na sociedade
Seja através dos materiais escolhidos ou até dentro do processo
da liberdade criativa, a programação de Artes Visuais do 28º Festival de
Inverno de Garanhuns dialoga diretamente com a diversidade de ideias. Este ano,
a Galeria
Galpão irá reunir, de 21 a 28 de julho, cinco atrações que
trazem importantes debates sobre a arte contemporânea, através de performances,
instalações ou exposições.
De acordo com Márcio Almeida, coordenador de Artes Visuais do
Festival, “nos
cinco selecionados para a grade artística a gente consegue perceber uma
diversidade em relação ao suporte. Seja através do desenho, instalação sonora,
peças de cerâmica ou performance, teremos várias possibilidades. Mais uma vez a
Galeria Galpão traz reflexões muito pertinentes e atuais para o circuito da
arte contemporânea”.
Segundo ele, um debate interessante que pode surgir é a partir
do suporte escolhido pelos artistas Ana Flávia Mendonça (Vaginas-Flores)
e Tonfil (Memorial
de mãos sem memória). “A argila, o barro em si, sofre uma discriminação na
arte contemporânea e é bom trazer o debate sobre esse material porque traz uma
reflexão sobre a artesania. Este é um preconceito que existe dentro das Artes
Visuais, mas que não é discutido, e a ideia é também trazer isso à tona”, reforça
Márcio Almeida.
Estudante de Artes Visuais da UFPE, Ana Flávia Mendonça
participa da programação do FIG com a sua mostra individual - que já esteve em
exposição durante a 9ª edição do UNICO – Salão Universitário de Arte
Contemporânea do SESC. “Em Pernambuco a gente tem esse festival, o UNICO, que é
voltado pra produção universitária. No final do ano passado fui uma das
premiadas pelo SESC, que levou minha exposição para passar um tempo na unidade
de Casa Amarela, no Recife, e depois em Petrolina”, detalha a
jovem artista.
“Quando expus na mostra do SESC, eu tinha 21
peças. Para o Festival de Inverno, irei levar 45 unidades. Espero ter um dia
100, 200, 500 vaginas. Quem sabe até fechar uma galeria com essa
exposição”, sonha alto Ana Flávia, que conta que o projeto
nasceu a partir de mulheres admiráveis que tinha por perto. “Seja
uma avó ou uma professora, por exemplo, partiu da admiração por mulheres
próximas. À medida em que a ideia foi crescendo, começaram a participar pessoas
desconhecidas, e foi incrível essa troca. Também teve gente que viu a primeira
versão da mostra e quis participar. Com o tempo perdi o controle disso, e
passaram a me procurar bastante”, revela.
Para ela, a proposta da mostra é quebrar o tabu sobre o corpo
feminino. “Que
a gente possa discutir e falar sobre o assunto, trazer a tona a discussão sobre
vaginas. E o retorno do processo de criação das peças foi algo muito
interessante porque se revelaram coisas incríveis. A mostra tem um poder grande
nas entrelinhas, através dos relatos, da voz feminina que ecoa, seja através
dos preconceitos e abusos sofridos, ou através da cura. E o projeto tem também
a intenção de engradecer a força da diversidade, exaltar a beleza da diferença.
Quando a gente vê uma parede com várias vaginas, diversos detalhes, a força do
conjunto passa uma mensagem que cada uma, com sua singularidade, faz parte de
um universo muito bonito”, descreve Ana Flávia Mendonça.
Além das 45 peças, que retratam a vagina feminina numa
comparação à espécies de flores, a exposição apresenta também os relatos das
mulheres participantes. “Quando elas eram convidadas recebiam junto à carta de convite
um espelhinho, que era para se olharem e se conhecerem ou reconhecerem. Foi um
processo bem mágico. Os relatos de cada mulher estarão pendurados juntos aos
espelhos de cada uma. Já as peças são feitas de cerâmica, e para elas utilizei
barros e pastas de cores diferentes, na tentativa de encontrar as várias
tonalidades do corpo humano - uns mais claros, intermediários e mais escuros”, pontua
a artista.
Outra discussão que merece destaque vem com a performance Bombril,
da mineira Priscila Rezende. A inserção e presença do indivíduo negro na
sociedade brasileira atuam como principais norteadores e questionamentos
levantados no trabalho de Priscila, e nesta performance não é diferente.
Durante a apresentação e por um período de aproximadamente uma hora, a artista
esfrega algumas panelas com seus próprios cabelos.
No ano passado, Priscila Rezende esteve na mostra coletiva Negros
Indícios, na Caixa Cultural SP, com curadoria de Roberto
Conduru. "Em
janeiro e fevereiro deste ano participei de uma residência artística em Londres
que fez parte de uma parceria entre o Sesc de São Paulo e uma universidade de
artes da capital inglesa. Fui sozinha e passei quase um mês pesquisando o
processo escravagista realizado pela Inglaterra, que enriqueceu bastante com a
produção de açúcar em diversas regiões. Fui, por exemplo, em Liverpool conhecer
de perto o Museu da Escravidão Internacional. Agora eu estou em Nova York
finalizando um intercâmbio na Art Omi, centro de artes local, onde participei
de uma pesquisa junto a outros 30 artistas do mundo inteiro", cita
ela.
A artista, nascida em 1985, conta também que nunca esteve em
Pernambuco. "É
a primeira vez e fico feliz pela oportunidade de levar meu trabalho a esse
Festival. É muito bom poder circular pelos vários lugares possíveis, porque uma
coisa é o expectador ver através de vídeos e fotos a performance, outra é ele
ver acontecer. É outra percepção”, fala com empolgação a
artista.
“Vejo meu trabalho como uma possibilidade de
mudança, de fazer as pessoas perceber como somos de verdade. Perceber que tem
quem privilégios é realmente livre. Os que estão à margem não gozam dessa
liberdade, e ai nem falo apenas dos negros, incluo também homossexuais, trans,
pessoas que não são totalmente libertas quando frequentam lugares”, opina.
Sobre a performance Bombril, que será realizada às 19h do dia 28
de julho, na Praça da Palavra, Priscila reflete que busca também provocar uma
reflexão sobre esse lugar da piada estética que as pessoas fazem de forma
depreciativa com o cabelo negro. “Eu quero tornar visível essa imagem que a piada remete, que
as pessoas vejam, entendam o que é isso, e logo em seguida não quero ficar ali.
Vou sair daquele lugar”, afirma.
Além da exposição e da performance, outras três atrações
integram a programação do FIG. Uma delas é Agosto & Archeos,
de Thelmo Cristovam, uma instalação sonora que terá duas obras desenvolvidas a
partir de princípios e modelos matemáticos (Agosto) e biológicos (Archeos) e em
aspectos de bioacústica - ou seja, a transmissão de informação através da
produção de som.
Duas exposições completam a programação na Galeria Galpão. Uma
delas é a já citada Memorial de mãos sem memória, de Tonfil, que
apresenta 100 mãos de cerâmica em estilo hiper-realista; e Meditação,
de França Bonzion, segunda exposição do artista que é uma série de desenhos em
caneta esferográfica e Kraft. A obra escoa temas relevantes da
contemporaneidade como violência, repressão sexual e a pressão das
instituições.
PROGRAMAÇÃO
DE ARTES VISUAIS DO 28º FIG
Galeria
Galpão
De 21 a 28 de julho | 16h às 22h
Endereço: Av. Dantas Barreto, 120
EXPOSIÇÕES:
De 21 a 28 de julho | 16h às 22h
Agosto & Archeos
Thelmo Cristovam
Instalação sonora imersiva composta por duas obras desenvolvidas e construídas
com base em princípios e modelos matemáticos (Agosto) & matemáticos
biológicos (Archeos) e em aspectos de bioacústica.
Memorial de mãos sem memória
Tonfil
100 mãos de cerâmica em estilo hiper-realista estarão dispostas no chão, como
se brotassem, trazendo suas memórias da terra onde trabalharam e onde foram
enterradas aludindo àqueles que não tiveram direito a imprimir suas próprias
memórias pessoais na construção da vida em sociedade no nordeste do Brasil.
Meditação
França Bonzion
Segunda exposição do artista, uma série de desenhos em caneta esferográfica e
Kraft são o canal por onde escoam espontaneamente sentimentos, tensões e sonhos
sobre temas relevantes de nossa contemporaneidade como: violência, repressão
sexual e a pressão das instituições.
Vaginas-Flores
Ana Flávia Mendonça
Partindo da semelhança estética entre a estrutura de uma vagina humana e a de
uma orquídea da espécie Cattleya, a artista a partir de relatos de 45 mulheres
desenvolveu o projeto que além de ressaltar a beleza dessa repetição estética
da natureza, exalta a força da diversidade, assimetrias e peculiaridades da
anatomia feminina.
PERFORMANCE:
Sábado, 28/7 (Praça da Palavra)
"Bombril”
Priscila Rezende;
Além de uma conhecida marca de produtos para limpeza e de uso doméstico, faz
parte de uma extensa lista de apelidos pejorativos para se referir à uma
característica do indivíduo negro, o cabelo. Em “Bombril” o corpo da artista se
apropria da posição pejorativa a ele atribuída, transformando-se em imagem de
confronto à fala discriminatória, presente no discurso de nossa sociedade.
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