quarta-feira, 18 de julho de 2018

Diversidade e liberdade criativa norteiam a programação de Artes Visuais do FIG 2018


De 21 a 28 de julho, cinco atrações trazem importantes debates sobre a arte contemporânea, seja através dos suportes ou de discussões importantes na sociedade

Seja através dos materiais escolhidos ou até dentro do processo da liberdade criativa, a programação de Artes Visuais do 28º Festival de Inverno de Garanhuns dialoga diretamente com a diversidade de ideias. Este ano, a Galeria Galpão irá reunir, de 21 a 28 de julho, cinco atrações que trazem importantes debates sobre a arte contemporânea, através de performances, instalações ou exposições.
De acordo com Márcio Almeida, coordenador de Artes Visuais do Festival, “nos cinco selecionados para a grade artística a gente consegue perceber uma diversidade em relação ao suporte. Seja através do desenho, instalação sonora, peças de cerâmica ou performance, teremos várias possibilidades. Mais uma vez a Galeria Galpão traz reflexões muito pertinentes e atuais para o circuito da arte contemporânea”.
Segundo ele, um debate interessante que pode surgir é a partir do suporte escolhido pelos artistas Ana Flávia Mendonça (Vaginas-Flores) e Tonfil (Memorial de mãos sem memória). “A argila, o barro em si, sofre uma discriminação na arte contemporânea e é bom trazer o debate sobre esse material porque traz uma reflexão sobre a artesania. Este é um preconceito que existe dentro das Artes Visuais, mas que não é discutido, e a ideia é também trazer isso à tona”, reforça Márcio Almeida.
Estudante de Artes Visuais da UFPE, Ana Flávia Mendonça participa da programação do FIG com a sua mostra individual - que já esteve em exposição durante a 9ª edição do UNICO – Salão Universitário de Arte Contemporânea do SESC. “Em Pernambuco a gente tem esse festival, o UNICO, que é voltado pra produção universitária. No final do ano passado fui uma das premiadas pelo SESC, que levou minha exposição para passar um tempo na unidade de Casa Amarela, no Recife, e depois em Petrolina”, detalha a jovem artista.
“Quando expus na mostra do SESC, eu tinha 21 peças. Para o Festival de Inverno, irei levar 45 unidades. Espero ter um dia 100, 200, 500 vaginas. Quem sabe até fechar uma galeria com essa exposição”, sonha alto Ana Flávia, que conta que o projeto nasceu a partir de mulheres admiráveis que tinha por perto. “Seja uma avó ou uma professora, por exemplo, partiu da admiração por mulheres próximas. À medida em que a ideia foi crescendo, começaram a participar pessoas desconhecidas, e foi incrível essa troca. Também teve gente que viu a primeira versão da mostra e quis participar. Com o tempo perdi o controle disso, e passaram a me procurar bastante”, revela.
Para ela, a proposta da mostra é quebrar o tabu sobre o corpo feminino. “Que a gente possa discutir e falar sobre o assunto, trazer a tona a discussão sobre vaginas. E o retorno do processo de criação das peças foi algo muito interessante porque se revelaram coisas incríveis. A mostra tem um poder grande nas entrelinhas, através dos relatos, da voz feminina que ecoa, seja através dos preconceitos e abusos sofridos, ou através da cura. E o projeto tem também a intenção de engradecer a força da diversidade, exaltar a beleza da diferença. Quando a gente vê uma parede com várias vaginas, diversos detalhes, a força do conjunto passa uma mensagem que cada uma, com sua singularidade, faz parte de um universo muito bonito”, descreve Ana Flávia Mendonça.
Além das 45 peças, que retratam a vagina feminina numa comparação à espécies de flores, a exposição apresenta também os relatos das mulheres participantes. “Quando elas eram convidadas recebiam junto à carta de convite um espelhinho, que era para se olharem e se conhecerem ou reconhecerem. Foi um processo bem mágico. Os relatos de cada mulher estarão pendurados juntos aos espelhos de cada uma. Já as peças são feitas de cerâmica, e para elas utilizei barros e pastas de cores diferentes, na tentativa de encontrar as várias tonalidades do corpo humano - uns mais claros, intermediários e mais escuros”, pontua a artista.
Outra discussão que merece destaque vem com a performance Bombril, da mineira Priscila Rezende. A inserção e presença do indivíduo negro na sociedade brasileira atuam como principais norteadores e questionamentos levantados no trabalho de Priscila, e nesta performance não é diferente. Durante a apresentação e por um período de aproximadamente uma hora, a artista esfrega algumas panelas com seus próprios cabelos.
No ano passado, Priscila Rezende esteve na mostra coletiva Negros Indícios, na Caixa Cultural SP, com curadoria de Roberto Conduru. "Em janeiro e fevereiro deste ano participei de uma residência artística em Londres que fez parte de uma parceria entre o Sesc de São Paulo e uma universidade de artes da capital inglesa. Fui sozinha e passei quase um mês pesquisando o processo escravagista realizado pela Inglaterra, que enriqueceu bastante com a produção de açúcar em diversas regiões. Fui, por exemplo, em Liverpool conhecer de perto o Museu da Escravidão Internacional. Agora eu estou em Nova York finalizando um intercâmbio na Art Omi, centro de artes local, onde participei de uma pesquisa junto a outros 30 artistas do mundo inteiro", cita ela.
A artista, nascida em 1985, conta também que nunca esteve em Pernambuco. "É a primeira vez e fico feliz pela oportunidade de levar meu trabalho a esse Festival. É muito bom poder circular pelos vários lugares possíveis, porque uma coisa é o expectador ver através de vídeos e fotos a performance, outra é ele ver acontecer. É outra percepção”, fala com empolgação a artista.
“Vejo meu trabalho como uma possibilidade de mudança, de fazer as pessoas perceber como somos de verdade. Perceber que tem quem privilégios é realmente livre. Os que estão à margem não gozam dessa liberdade, e ai nem falo apenas dos negros, incluo também homossexuais, trans, pessoas que não são totalmente libertas quando frequentam lugares”, opina.
Sobre a performance Bombril, que será realizada às 19h do dia 28 de julho, na Praça da Palavra, Priscila reflete que busca também provocar uma reflexão sobre esse lugar da piada estética que as pessoas fazem de forma depreciativa com o cabelo negro. “Eu quero tornar visível essa imagem que a piada remete, que as pessoas vejam, entendam o que é isso, e logo em seguida não quero ficar ali. Vou sair daquele lugar”, afirma.
Além da exposição e da performance, outras três atrações integram a programação do FIG. Uma delas é Agosto & Archeos, de Thelmo Cristovam, uma instalação sonora que terá duas obras desenvolvidas a partir de princípios e modelos matemáticos (Agosto) e biológicos (Archeos) e em aspectos de bioacústica - ou seja, a transmissão de informação através da produção de som.
Duas exposições completam a programação na Galeria Galpão. Uma delas é a já citada Memorial de mãos sem memória, de Tonfil, que apresenta 100 mãos de cerâmica em estilo hiper-realista; e Meditação, de França Bonzion, segunda exposição do artista que é uma série de desenhos em caneta esferográfica e Kraft. A obra escoa temas relevantes da contemporaneidade como violência, repressão sexual e a pressão das instituições.
PROGRAMAÇÃO DE ARTES VISUAIS DO 28º FIG

Galeria Galpão
De 21 a 28 de julho | 16h às 22h
Endereço: Av. Dantas Barreto, 120
EXPOSIÇÕES:
De 21 a 28 de julho | 16h às 22h


Agosto & Archeos

Thelmo Cristovam
Instalação sonora imersiva composta por duas obras desenvolvidas e construídas com base em princípios e modelos matemáticos (Agosto) & matemáticos biológicos (Archeos) e em aspectos de bioacústica.


Memorial de mãos sem memória

Tonfil
100 mãos de cerâmica em estilo hiper-realista estarão dispostas no chão, como se brotassem, trazendo suas memórias da terra onde trabalharam e onde foram enterradas aludindo àqueles que não tiveram direito a imprimir suas próprias memórias pessoais na construção da vida em sociedade no nordeste do Brasil.


Meditação

França Bonzion
Segunda exposição do artista, uma série de desenhos em caneta esferográfica e Kraft são o canal por onde escoam espontaneamente sentimentos, tensões e sonhos sobre temas relevantes de nossa contemporaneidade como: violência, repressão sexual e a pressão das instituições.


Vaginas-Flores

Ana Flávia Mendonça
Partindo da semelhança estética entre a estrutura de uma vagina humana e a de uma orquídea da espécie Cattleya, a artista a partir de relatos de 45 mulheres desenvolveu o projeto que além de ressaltar a beleza dessa repetição estética da natureza, exalta a força da diversidade, assimetrias e peculiaridades da anatomia feminina.


PERFORMANCE:

Sábado, 28/7 (Praça da Palavra)


"Bombril”

Priscila Rezende;
Além de uma conhecida marca de produtos para limpeza e de uso doméstico, faz parte de uma extensa lista de apelidos pejorativos para se referir à uma característica do indivíduo negro, o cabelo. Em “Bombril” o corpo da artista se apropria da posição pejorativa a ele atribuída, transformando-se em imagem de confronto à fala discriminatória, presente no discurso de nossa sociedade.




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