Por Amâncio Siqueira
Bacurau (Drama/Fantasia ‧ 2h 12m), dirigido por Kléber Mendonça e Juliano Dornelles, traz belas atuações de Sônia Braga como Domingas e Silvero Pereira como Lunga, uma espécie de “Robin Hood” que busca trazer água para o sertão pernambucano e é caçado como terrorista pelas autoridades do Brasil do Sul. O filme se passa num futuro próximo, no qual o Brasil finalmente encontrou sua vocação para a divisão e as execuções públicas, transmitidas ao vivo na tv. No entanto, apenas poucas pistas desse futuro são dadas no longa, ficando a cargo da imaginação do público projetar esse Brasil do futuro. O filme acerta em não subestimar a capacidade intelectual do seu público e não se perder em explicações. Assim como no universo de Mad Max e outros clássicos de ação, você sabe que existe aquele mundo, e é melhor se preparar, porque a porrada pode vir de qualquer lado.
O bacurau é uma ave noturna que se camufla facilmente em
meio à vegetação seca do sertão, e a associação do pássaro com o pequeno povoado fica patente desde o início, quando o prefeito de Serra Verde vem à cidade para um comício.
Pessoas na entrada do povoado avisam através de rádio e whatsapp, da sua chegada e os moradores rapidamente desmancham a feira e se escondem em suas casas. Sinais dessa mesma organização e união das pessoas são demonstrados ao longo do filme. O prefeito almofadinha foi uma escolha sensacional: é a cara dos candidatos que aparecem no sertão a cada quatro anos, tão diferentes da população local.
Além das realísticas cenas de ação, o ponto alto do filme é a estética cangaço-futurística madmaxiana. Já no início surge o mau agouro: o caminhão pipa em que a protagonista Teresa volta para Bacurau passa por cima de alguns caixões, caídos de um caminhão envolvido num acidente com vítima fatal. Aqui não posso me furtar de lembra a música de Luís Gonzaga que fala do Bacurau com outro de seus nomes: carimbanda, que canta “amanhã eu vou”.
Teresa vem para o enterro de sua avó, matriarca do povoado, e fala em determinado momento: “Hoje, vi dois mortos”. Muitos mais seguirão a esses, pois um perigo inaudito ronda o Bacurau. Seguem-se cenas de mau-agouro, como cavalos correndo sem cavaleiros pela noite do povoado, e água derramando do caminhão pipa, crivado de balas e o desaparecimento do povoado do mapa, inclusive dos satélites. Depois que dois moradores levam os cavalos de volta para uma fazenda próxima, e aí descobrem que todos os moradores da fazenda foram mortos, sendo eles mesmos vítimas de forasteiros, resta a Pacote, pistoleiro que pretende mudar de vida, entrar em contato com Lunga para defender sua terra de um inimigo que eles ainda não conhecem.
Descobrimos que existe um grupo de estrangeiros que veio caçar no sertão. São pessoas de classe média frustradas, típicos atiradores em massa, que decidem liberar-se de suas frustrações através da caça de pessoas do terceiro mundo. Dois brasileiros do sul os ajudam a desligar as comunicações de Bacurau com o mundo exterior, e um dos diálogos mais interessantes do filme acontece quando esses brasileiros se dizem semelhantes aos “europeus”, pertencentes a um lugar com colônias europeias, sendo, portanto, brancos.
Paro por aqui, pois não quero dar pitaco sobre o final do filme. Posso dizer apenas que, se alguém sair de alma lavada, não será por água.
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