Escassez de emprego e aumento dos alimentos, principalmente dos importados, forçarão o brasileiro a escolher bem o que colocar na mesa durante as comemorações do fim de ano. Redução do valor do auxílio emergencial deixará ceia, ainda, mais modesta
Por: Rosana Hessel e Fernanda Strickland*
(crédito: ABR)
Os consumidores podem se preparar para um fim de ano amargo, com os preços dos itens da ceia de Natal mais salgados, avisam os especialistas. O desemprego deve continuar crescendo e, com a redução do valor do auxílio emergencial pela metade — de R$ 600 para R$ 300 —, muitas famílias precisarão escolher o que colocar na mesa nas comemorações, optando por lembrancinhas e substituições de produtos importados.
O período das encomendas do varejo começou e, de acordo com os economistas, há uma queda de braço com a indústria, que insiste em repassar os custos para a tabela de preços, principalmente, diante de disparada do dólar, que encarece os itens importados já tradicionais na mesa das festas de fim de ano.
Os especialistas lembram que, como o governo não tem dado sinais fortes de que conseguirá uma boa saída da crise, mantendo a promessa de que será responsável fiscalmente, a desconfiança cresce. O reflexo disso bate no dólar, que encerrou a sexta-feira a R$ 5,56, acumulando alta de 3,3% em apenas uma semana. A inflação oficial está em escalada desde junho, puxada pela alta dos preços dos alimentos, apesar de o Banco Central dizer que está tranquilo em relação à carestia.
No atacado, o quadro é ainda mais preocupante e não há dúvidas de que os reajustes serão repassados para o varejo mais à frente, prejudicando o Natal de milhões de brasileiros. Conforme dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) disparou mais 6% nos 30 dias encerrados em 10 de setembro, e já acumula alta de 25,52% em 12 meses, padrão de inflação argentina, que deverá bater no bolso dos consumidores em algum momento, apostam os analistas.
E, para piorar, o mercado de trabalho não deve dar sinais de recuperação tão cedo. A expectativa dos analistas é de que o desemprego aumentará neste fim de ano, especialmente porque, com a flexibilização do confinamento, as pessoas começam a sair de casa em busca de trabalho. “Não haverá vagas no mesmo ritmo do número de pessoas que começa a procurar emprego. Como o setor de serviços ainda deve demorar para apresentar uma recuperação maior, os empregos temporários comuns nessa época do ano não devem aparecer em números expressivos”, alerta o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes.
No atacado, o quadro é ainda mais preocupante e não há dúvidas de que os reajustes serão repassados para o varejo mais à frente, prejudicando o Natal de milhões de brasileiros. Conforme dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) disparou mais 6% nos 30 dias encerrados em 10 de setembro, e já acumula alta de 25,52% em 12 meses, padrão de inflação argentina, que deverá bater no bolso dos consumidores em algum momento, apostam os analistas.
O ex-diretor do Banco Central considera que o ritmo de retomada da economia será lento. Para Gomes, há grandes chances de a taxa de desemprego ficar acima de 15% neste ano, nível que não se viu na recessão entre 2015 e 2016. “As pessoas estão sem emprego, e os que estão procurando (emprego) não estão encontrando”, pontua.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, admite que a taxa de desemprego próxima de 17%, prevista pela consultoria MB para 2021, pode ocorrer neste ano, porque o número de pessoas trabalhando formalmente está encolhendo a olhos vistos. Nessa conta, é preciso considerar o grande número de empresas que devem fechar ao longo do ano devido à recessão provocada pela covid-19. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas ocupadas registrou queda recorde e gira em torno de 82 milhões de pessoas.
“Se considerarmos os dados atuais da população economicamente ativa, o número de desempregados, de quase 13 milhões, já representa uma taxa de desocupação perto de 16%, mas órgãos oficiais incluem quem não está procurando emprego na base de cálculo, distorcendo os dados”, destaca Vale. Ele lembra que cada ponto percentual a mais na taxa de desemprego é pouco mais de 1 milhão de pessoas desocupadas no país.
Apesar de o Banco Central demonstrar otimismo exagerado em relação à inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que, neste ano, pela nova metodologia, reduziu o peso da alimentação em domicílio na base de cálculo, o economista-chefe da CNC lembra que os preços dos alimentos continuarão subindo — principalmente os produtos tradicionais do Natal, que, em sua maioria, são importados e devem incorporar a alta do dólar.
Com a carestia cada vez maior, o poder de compra do brasileiro está diminuindo, e, além disso, o desemprego é um problema para as famílias no fim deste ano, porque, até no comércio, a demanda por mão de obra temporária será menor do que nos anos anteriores, de acordo com Gomes. “O Natal será muito fraco e, se o dólar continuar elevado, os itens importados deverão ser substituídos ou reduzidos. É o Natal da quarentena, e tudo indica que não teremos um ótimo Natal. Se for fraco, já será bom”, lamenta.
O economista Alexandre Espirito Santo não tem dúvidas de que haverá muita substituição de importados na mesa da ceia de Natal em 2020 por conta da alta de preço dos alimentos. “As pessoas estão inseguras em relação ao fim do ano. O Natal estará condicionado à descoberta da vacina. Se isso ocorrer até novembro, como o governador de São Paulo, João Doria, sinalizou, pode ser que seja bom, porque haverá um efeito psicológico das pessoas em comemorar. Mas, se isso não ocorrer, o consumo e a economia não conseguirão se recuperar tão facilmente”, destaca. “Em casa, como há muitas pessoas do grupo de risco, a comemoração será menor. Mas, com certeza, o bacalhau não faltará, mesmo se o dólar continuar nesse patamar de R$ 5,50 e R$ 5,60. Se a moeda estiver mais cara até lá, a quantidade será menor, pelo menos, para fazer o bolinho.”
Tradição
É o que planeja a empresária Francisca Moreira, 48 anos, diante da carestia dos alimentos nos supermercados. “A ceia de Natal vai ser com a família de casa, e será mais simples e com menos porções. Teremos de rever a prioridade dos presentes e comprar algo que estamos precisando. Não é apenas um capricho, mas uma questão de economizar”, explica. A estudante Ananda Almeida, 23, não tem dúvidas de que, neste ano, as comemorações serão diferentes, com redução dos itens da ceia de Natal e dos presentes. “Acredito que a ideia de família reunida e casa cheia não é mais uma realidade neste momento. Dessa forma, comprar um item tão caro, como o peru, para poucas pessoas comerem, pode não ser uma boa ideia. Mas, no geral, acho que, justamente pelo fato de a quantidade de pessoas ter diminuído, algumas tradições podem ser mantidas por um preço acessível”, avalia.
“Para mim, o significado conta mais do que o preço em si. Então, provavelmente, os presentes deste ano serão mais baratos devido à crise que estamos vivendo, com muitas pessoas desempregadas. O Natal é mais do que presentes caros”, acredita Ananda.
Recuperação mais lenta
A atividade econômica não deve dar sinais de recuperação tão forte, de acordo com analistas, que admitem não ver uma retomada em V, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste em prever. Pelas estimativas de Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a economia brasileira levará oito trimestres para retornar aos níveis pré-pandemia.
Sergio Vale, da MB Associados, acredita que, devido a uma retomada mais lenta neste fim de ano e no próximo, o Produto Interno Bruto (PIB) não conseguirá crescer mais do que 2,2% em 2021, taxa bem abaixo da alta de 3,9% que o Banco Central prevê para 2021, após revisar, de 6,4% para 5%, a previsão de retração do PIB de 2020. Vale revisou, recentemente, de 5,3% para 4,8%, a estimativa de queda do PIB neste ano.
Os analistas lembram também que, como o ritmo de retomada será lento, as ofertas no mercado de trabalho não serão suficientes para o exército de pessoas em busca de vagas temporárias.
Sem garantia
Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que, apesar de alguns indicadores recentes mostrarem uma recuperação do varejo em ritmo mais forte, não há garantias de que essa velocidade será sustentável até o fim do ano. “Há muita incerteza, aqui e no mercado externo, especialmente, devido à nova onda de contágio na Europa, onde alguns países estão voltando a decretar lockdown”, pontua.
Ele lembra que a questão de incerteza financeira das famílias também deve conter o consumo nesses últimos meses do ano. “A gente sabe que os R$ 600 do auxílio emergencial atenuaram o impacto da crise na vida de muita gente que ficou impossibilitada de trabalhar, e isso ajudou a impulsionar o comércio no meio da pandemia. O problema é que, com a redução do valor para R$ 300, os dados de recuperação do comércio não devem continuar na mesma proporção”, ressalta Tobler.
A FGV prevê retração de 5,3% no PIB deste ano e está relativamente otimista em relação ao mercado de trabalho, pois prevê desemprego chegando a 13,6% no fim do ano. (RH)
“Com a redução do valor (do auxílio emergencial) para R$ 300, os dados de recuperação do comércio não devem continuar”
Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia
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