quarta-feira, 6 de abril de 2022

Um anjo iluminado

Por Magno Martins 


Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis. Esta frase, do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, seria a síntese de um ensaio sobre o meu amigo, leitor e conselheiro Ivan Rodrigues, um dos mais fiéis discípulos do ex-governador Miguel Arraes.

Deus o chamou, ontem, para a última e eterna moradia aos 94 anos. Sua morte provocou reações emocionantes, dolorosas e chorosas, de todos os segmentos ideológicos, da esquerda à direita. Era querido, admirado e honrado. Perdeu o Brasil um grande homem público. Pernambuco e Garanhuns, sua pátria amada, dormiram chorando de saudade do seu filho amado. Ivan não era perfeito, porque não existem seres humanos materializados pelo dom da vida sem pecado original.

Mas era quase um anjo, o Anjo Arcado. Mesmo tendo passado dos 90 anos, nunca envelheceu. Suas ideias eram novas e atuais. Sua energia, uma bateria que nunca arriava. Seu entusiasmo pela vida, igual a um de garoto que começa a despertar para o primeiro amor. A Miguel Arraes, seu guru e grande escudeiro, foi fiel até a morte.

Com o amigo, resistiu a todas as investidas dos militares para apeá-lo do poder. Pela porta que saiu com Arraes em 64, cassado pelo golpe, entrou de volta em 1987, embalado pela histórica eleição de 1986. "Volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu", eis a palavra de ordem da campanha de 86, também simbolizada pelo "Tou voltando".

Ivan era tão próximo de Arraes que pareciam irmãos siameses. Entendiam-se pelos gestos, falavam por símbolos, parábolas e olhares. Foi Ivan que materializou a universalização da eletrificação rural no Governo Arraes, projeto, faça-se justiça, concebido por um matuto atrevido de Caetés, a terra de Lula, chamado Zé da Luz.

Miguel Arraes se encantou pelo projeto. Num artigo, Ivan relembrou o entusiasmo do ex-governador com uma frase antológica dele (Arraes): “Não conheço nada mais estruturador para um cidadão que uma caneca de água limpa para beber e um bico de luz para alumiar a escuridão”. Levando energia para toda matutada, que vivia de candeeiro nas mãos, Arraes fez o milagre da noite escura se transformar no clarão do dia ensolarado.

"Invariavelmente, a comunidade promovia uma passeata chamada de “Adeus candeeiro!” Percorria toda a comunidade com as pessoas carregando na cabeça os fiofós apagados que eram até então o único meio utilizado para clarear o mundo. A banda de pífanos puxava o cortejo, a cachaça e o vinho de jurubeba corriam soltos, a galinha gorda guisada com farofa para tira-gosto e, ainda mais, a alegria de felicidade escancarada em todos os moradores do sítio, coroada pela dança no final da festa", escreveu Ivan, neste mesmo artigo em 22 de junho de 2015 no seu painel "Memórias e inquietações de Ivan".

O mesmo Bertolt, com o qual abri essa homenagem, disse: "Não basta ter sido bom quando deixar o mundo. É preciso deixar um mundo melhor". Ao iluminar o campo, com a sensibilidade social de Arraes, Ivan plantou a semente da luz inspirado no pensador alemão. Não há dúvida de que deixou um mundo bem melhor para os que antes só descobriam que havia chegado a noite pela chama do candeeiro.

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