·
Givaldo
Calado de Freitas
Não faz muito, fui
visitar um amigo. Recebeu-me em um dos cômodos de sua ampla e bonita
residência, que logo entendi como seu recanto: o lugar onde estaria em paz para
pensar, escrever e ler os seus livros como o faz, diariamente. Foi-me logo
dizendo: “Não olhe a minha desarrumação, não. Confesso que ela é a melhor
arrumação de que preciso. Dela e daqui, de onde tenho assento, mantendo controle
de tudo. E depois, Givaldo, não queira saber a sensação de estar entre livros
por todos os lados. Portanto, por eles cercado. Parece que eles estão a querer
penetrar em mim. E eu a penetrar neles. Confesso que gostaria que fosse
verdade. Não só, e tão só, sensação. Fosse, portanto, real. Eu, penetrando em
meus livros. Meus livros, penetrando em mim. Ah! Se me fosse dado que isso
ocorresse.”
Vi e pude sentir, nesse
meu amigo, muita paz a lhe cobrir em seu exclusivo refúgio.
Disse-me: “Aqui, amigo,
adentra apenas eu, e um ou outro amigo a meu convite. Aqui, é meu refúgio. Aqui
é meu altar. Aqui eu me encontro com meus tesouros - meus livros e minhas
canetas. E você me faz lembrar o Marquês de Maricá. Que repetia sempre: ‘No
Brasil, não se podem emprestar livros: os que os recebem, consideram-nos dados
e não emprestados’.”
“Você lembra, não é,
Givaldo? A gente conversava muito a respeito disso na casa de Tobias. Nunca
gostei de emprestar meus livros. Desde aqueles tempos. Minha mãe me dizia: ‘Quem
empresta, não presta!’. E, sobretudo, naqueles tempos quando os recursos eram
escassos. Por isso que tenho os livros que tenho. Livros que vêm daqueles
tempos. Muitos! Livros que vieram depois. Também muitos. Livros. Livros. E
livros... Alguns milhares.
A propósito, Givaldo,
você tem procurado as livrarias, os livreiros? Outro dia saí da minha
residência com um de meus filhos a um desses Shoppings. Você sabe, não é:
disse-lhe outra época. Não quero mais trabalhar. Lá, fomos a duas ou três
livrarias. Você conhece as minhas predileções. Fiquei horrorizado com os preços
dos livros, sobretudo os de Direito. Fiquei a me perguntar o que seria de mim
se o tempo voltasse e eu tivesse que adquirir aqueles livros para avançar na
minha formação. Tenho pena dos pais de família de hoje por conta do alto custo
para conseguir dar uma boa formação a seus filhos. Livros de Direito,
proibitivos. Livros de Medicina, nem falar, inacessíveis. Enfim, um verdadeiro
absurdo.”
Saí da residência do
amigo, não sem antes lhe dizer que, como ele, também tinha meus livros como
meus melhores e maiores amigos. E, citando Mário Quintana: “O livro traz a
vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado”. É como me
sinto amigo, no meu refúgio.
Por isso, amigo, nunca
me vejo só, já que, como você, também vivo cercado de livros. Ah! E, deles,
tenho muito ciúme. Meus livros e minhas canetas são meus amigos inseparáveis. Aqueles
se confundem com estas. “Escrever é
lembrar-se. Mas ler é, também, lembrar-se”, dizia Mauriac. E esse exercício eu
o faço todo santo dia. Apesar de meus dias a dia, ainda de muito trabalho.
Saudando esse dia,
portanto, estou a cortejar a leitura e a escrita. Enfim, o ler e o escrever.
Que não têm fim. Salve o dia do livro! Que lembra leitura. Que induz à escrita.
Mas sempre tendo em mente as palavras de Campoamor: “Quem me dera saber
escrever!”. E eu completo: e ler.
“Diante de seu
discurso, Givaldo, em homenagem a este 29 de outubro, permita-me colocar que o
movimento editorial no Brasil, que cresce e cresce, cada vez mais, não é de
ontem, muito menos de hoje. Vem de longe. De muito longe. Do Brasil Colônia.
Ele vem da instalação da Imprensa Régia, em 1808, pelas mãos de Dom João VI,
então príncipe regente. Ele vem, um pouco depois, em 1810, da fundação da
Biblioteca Nacional, quando se lançou o primeiro livro editado no Brasil,
“Marília de Dirceu”, de Tomaz Antônio Gonzaga. Posto que, é certo, crescido
mesmo só a partir de 1925 com a fundação da Companhia Editora Nacional, pelo
escritor Monteiro Lobato.”
Mas eu concluo meu
discurso, amigo: temos que fazer a apologia do livro e da escrita. Esta,
contudo, não só neste dia: 29 de outubro. Temos que fazê-la, sempre. E sempre.
Sobretudo, às nossas crianças, a fim de que, desde cedo, o hábito da leitura
seja-lhes presente em suas vidas, e por todas suas vidas.
Abrir um livro é uma
questão de hábito. E este, quanto mais cedo adquirido, mais presente estará no
homem de amanhã. E, para abrir um livro, não é preciso escolher um lugar. Ele
pode se aberto e lido em qualquer hora e em qualquer lugar. Basta querer.
·
Figura Pública. Empresário.
·
Crônica redigida em 29.10.2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário