Após reação de lideranças evangélicas e preocupação no PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou na defesa do aborto, afirmando ser pessoalmente contra.
O tema tem influenciado, principalmente, no voto de eleitores fora da esquerda e nos das classe C e D, que têm apresentado maior adesão à pré-candidatura petista. Para a socióloga Esther Solano, que faz pesquisas qualitativas com enfoque em eleitores das classes C e D, a pauta de costumes estará “lado a lado” com a agenda econômica nesta eleição.
Para ela, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tende a “turbinar a pauta moral” na campanha, na tentativa de alcançar um eleitorado de baixa renda que, hoje, está próximo de Lula. Na pesquisa Datafolha divulgada em março, o petista tinha 51% das intenções de voto na faixa mais pobre, contra 19% para Bolsonaro.
Em suas pesquisas de campo, Esther observou que, entre os eleitores mais pobres, a abordagem do aborto aparece mais frequentemente ligada a um ponto de vista religioso:
— É na igreja onde esse eleitor de menor renda encontra sociabilidade, uma rede afetiva e material. E há um discurso, em relação ao aborto, que tem mais a ver com princípios e valores morais e cristãos do que com uma questão de saúde pública. Com relação à fala de Lula, além de não agregar muitos votos, pode fazer com que ele perca, nesse campo moral, o eleitor que havia ganhado pela memória do que foi seu governo em termos econômicos.
Em dezembro de 2018, na pesquisa mais recente a abordar o comportamento do eleitorado nesse tema, o Datafolha apontou que 41% diziam que o aborto deveria ser “totalmente proibido”. O percentual superava o dos que diziam concordar com a legislação atual (34%), que permite o aborto em três hipóteses: nos casos de gravidez causada por estupro, quando há risco de vida para a mulher ou nos casos de fetos anencéfalos. Apenas 6% opinaram que o aborto deveria ser permitido em qualquer situação, de acordo com a decisão da mãe.
A opinião de que o aborto deveria ser proibido em qualquer hipótese foi mais forte no eleitorado mais pobre, com renda familiar de até dois salários mínimos: 51% defenderam a proibição “total”, segundo o Datafolha. Essa faixa corresponde a cerca de 100 milhões de pessoas, quase metade da população, segundo estimativas a partir da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, que levantou o rendimento médio da população, e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2019, que registrou o tamanho médio das famílias.
Nesta semana, Lula defendeu que toda mulher deveria ter direito ao aborto no país e que a questão fosse tratada como saúde pública. O tema, considerado espinhoso e que costuma ser evitado por candidatos, preocupou aliados de Lula em um momento em que o PT tenta conquistar um eleitorado de centro.
— A única coisa que eu deixei de falar na fala que eu disse é que eu sou contra o aborto. Tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto. O que eu disse é que é preciso transformar essa questão do aborto em saúde pública. Que as pessoas pobres que forem vítimas de um aborto têm que ter condições de se tratar na rede pública de saúde — afirmou ontem Lula à rádio “Jangadeiro BandNews”.
Já o eleitorado de classe média, alvo de críticas de Lula, é dividido pelo Datafolha em dois recortes de renda. Em ambos, o petista perdeu terreno para Bolsonaro nos últimos meses. Na faixa de renda familiar de dois a cinco salários mínimos, que compreende cerca de 60 milhões de brasileiros, com base na última Pnad, Lula aparece tecnicamente empatado com Bolsonaro no Datafolha de março, com 36%, contra 33% do presidente. Na pesquisa anterior, Lula tinha 14 pontos de vantagem.
Em outro recorte de renda, de cinco a dez salários mínimos, Bolsonaro hoje aparece à frente de Lula, com 38%, contra 27% do petista. Em dezembro, ambos estavam tecnicamente empatados, com ligeira vantagem para Bolsonaro. Este estrato corresponde a cerca de 15% da população.
Na terça-feira, Lula disse que a classe média “ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”, referindo-se à América Latina. Nesse segmento, segundo o Datafolha, o aumento do preço dos combustíveis e a educação são alguns dos temas mais citados como principal problema do país. Entre os mais pobre, por sua vez, o desemprego aparece à frente desses assuntos.
Agência O Globo
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