Do blog do Ricardo Antunes
Em meio à recente acusação feita pela candidata do Novo, Marina Helena (Novo), à Prefeitura de São Paulo, de que a deputada federal Tabata Amaral (PSB), teria se utilizado de um jatinho para visitar o namorado, o prefeito do Recife João Campos ( PSB), a web lembrou de uma antiga polêmica.
Coincidência ou não envolvendo coisas do coração. Se na denúncia de Marina o onus da prova é deve ser sempre de quem acusa, nessa antiga existe farta documentação.
Em reportagem da Veja, em 2019, Tabata Amaral foi confrontada com um desvio ético que lhe deixou sem resposta alguma. Ela foi acusada de ter pago R$ 23 mil do fundo eleitoral ao então namorado Daniel Alejandro Martínez, por “análises estratégicas”. O contrato indicava um local de trabalho distante do comitê oficial e nenhum resultado foi apresentado, o que contrastava com o discurso de “nova política” adotado pela candidatura.
Relembre a matéria da Veja:
“Renovação na política não passa por trocar o nome das coisas nem o rostinho no poder, mas por uma mudança de práticas.” A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) é a autora dessa frase. Ela foi proferida em uma entrevista a VEJA, publicada na edição 2.029, de 10 de abril de 2019, que marcou os 100 primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro. A deputada, que enfrentara havia poucos dias o então ministro da Educação, Ricardo Vélez, em uma sessão na Câmara, emergia como um dos principais expoentes da “nova política”.
Sua bandeira pela educação trouxe atenção à sua atuação. No entanto, nada mais de velho na política do que a contratação de parentes ou amigos. Tabata não fugiu dessa armadilha. Durante a sua campanha, com dinheiro do fundo partidário, pagou 23 mil reais ao namorado, o colombiano Daniel Alejandro Martínez, que conheceu na prestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Procurada pela reportagem, a parlamentar se esquivou. VEJA tentou contato por meio de seu celular, de sua assessoria, bateu em seus gabinetes em Brasília e São Paulo e foi até sua casa, na Zona Sul da capital paulista, sem sucesso. A única resposta veio em uma nota protocolar, enviada pela equipe de comunicação, semelhante às várias enviadas por outros políticos envolvidos em escândalos recentes. “A campanha da Tabata Amaral cumpriu as leis eleitorais na contratação de seus serviços e pessoas. Todas as informações são públicas e estão no portal do TSE.”
O registro do pagamento está, de fato, no site do Tribunal Superior Eleitoral. Foi lá, inclusive, que VEJA detectou o pagamento ao namorado. O contrato protocolado na Justiça eleitoral prevê que Martínez deveria prestar “serviço de análises estratégicas para a campanha eleitoral”. O documento determina inclusive o local e horário de trabalho: Avenida Agami, 40, das 9h às 18h, em São Paulo. No local funciona um coworking, um escritório compartilhado por diversas empresas e empreendedores, que nunca serviu de comitê para Tabata.
O comitê fica no bairro da Saúde, distante 15 quilômetros do local de trabalho de Martínez. Um dos pedidos feitos à equipe da deputada foi a apresentação do resultado do serviço prestado por Martínez. Ele foi a quarta pessoa física que mais recebeu dinheiro da campanha da então candidata. Os três primeiros — Laiz Soares, Daniel Machado Batista e Karina de Brito Tavares — trabalham hoje com a parlamentar em Brasília. A quinta pessoa que mais recebeu foi Josiane Trevisan Fauro, responsável por organizar a agenda de Tabata durante as eleições. Os trabalhos desenvolvidos pelos quatro são facilmente rastreáveis.
O de Martínez, não. Ele, durante a execução do contrato, ainda recebeu uma promoção. Desde o início, seus trabalhos seriam prestados entre os dias 17 de agosto e 6 de outubro de 2018 — um dia antes da eleição. Por esse serviço, ele receberia 17.100 reais. O contrato foi assinado por Stefani Martins Pereira, procuradora de Tabata à época e atual funcionária de seu gabinete. Em 10 de setembro, um aditivo em seu contrato, também assinado por Stefani, elevou a remuneração a 23.050 reais pelos 50 dias de trabalho. Ele, que, em 2018, passou a estudar português se tornou responsável pela central de atendimento aos eleitores, de acordo com documento enviado à Justiça Eleitoral pelo escritório Braga Nascimento e Zilio, que assessorou a parlamentar.
Martínez é formado em estudos sociais por Harvard e é bolsista da Michael C. Rockefeller Memorial Fellowship, um centro de pós-graduação mantido dentro da universidade por doadores ligados à família Rockefeller. Segundo o perfil de Martínez, ele está no Brasil para “passar tempo” com comunidades desfavorecidas e diversificadas étnico-racialmente. “Imagino minha jornada como uma combinação de experiências de convivência com povos indígenas, afro-brasileiros e comunidades camponesas; navegando na Amazônia; ficando com famílias locais; e me voluntariando para trabalhar com organizações locais”, diz seu perfil.
VEJA procurou Martínez, mas sem sucesso. De acordo com o advogado eleitoral Fernando Neisser, não é crime empregar parceiros, cônjuges ou até familiares durante a campanha — depois de eleito, sim. O crime está no fato de pagar por serviços que não foram prestados. Neste momento, não é possível afirmar, portanto, que Tabata cometeu irregularidade, mas apenas que os resultados do serviço prestado por Martínez não podem ser checados e não foram apresentados pela parlamentar.
Tabata enfrenta um processo de desconstrução. Após votar a favor da reforma da Previdência, a deputada perdeu parte do apoio que tinha da esquerda moderada, protagonizada por Ciro Gomes nas eleições. No entanto, o próprio, fiador de sua campanha e quem a acompanhou em comícios na Vila Missionária, onde reside a família da deputada, abandonou-a ao próprio destino.
A rusga se dá porque o PDT fechou questão, meses antes da votação no primeiro turno do plenário da Câmara, sobre votar de forma contrária às mudanças na aposentadoria. Tabata foi impulsionada pelo movimento organizado por empresários RenovaBR. Ela é a única ligada ao grupo que está no PDT, partido de centro-esquerda com raízes no trabalhismo de Getulio Vargas e Leonel Brizola. Oito outros líderes, entre deputados federais e estaduais, ligados ao RenovaBR estão no Novo, partido de viés liberal, execrado pela esquerda.
Antes da campanha, o grupo de empresários, liderado por Eduardo Mufarej, ex-presidente da Somos Educação, pagava aos candidatos uma bolsa de estudos que poderia chegar a 10 mil reais mensais. Segundo a organização, ela recebeu entre janeiro e junho de 2018. Ciro Gomes afirma, agora, que deputados que receberam recursos privados devem deixar o partido. De acordo com o Radar, o presidente do PDT, Carlos Lupi, vai pressionar a deputada até que ela saia do partido.
A legenda não quer expulsá-la para não perder a cadeira na Câmara, uma vez que ela, caso saia por conta própria, perderia o mandato pela lei da fidelidade partidária. Em sua coluna, que mantém no jornal Folha de S. Paulo, Tabata explicou seu voto favorável à nova Previdência. E em seu último texto, publicado no dia 14, ela enfrenta os detratores com pouca sutileza. “Sabemos que a extrema esquerda não admite flexibilidade alguma de posicionamento, pois está enclausurada em suas amarras.” As amarras não enclausuram somente a extrema esquerda, mas toda uma política viciada, toscamente chamada de “velha política” — a mesma contra a qual Tabata ganhou projeção e se elegeu.
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