Por unanimidade, tribunal estendeu proteção em situações de violência doméstica para relações homoafetivas entre homens gays, mulheres travestis e transexuais.
Por Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as regras de proteção da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas a casais homoafetivos formados por homens e a mulheres travestis e transexuais.
Veja perguntas e respostas sobre a decisão da Corte:
O que é a Lei Maria da Penha e em quais casos ela é aplicada?
A Lei Maria da Penha, de 2006, criou mecanismos para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, seguindo a Constituição e tratados internacionais.
A legislação define "violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" ocorrida no âmbito doméstico, em meio à família, ou seja, nas relações em que os agressores guardam ligações de parentesco.
A norma também trata de medidas de combate à violência doméstica, mecanismos de assistência às vítimas, regras para o atendimento destes casos pela polícia, além das medidas protetivas de urgência, com o objetivo de afastar o agressor do convívio com a vítima.
O que diz a ação apresentada ao Supremo?
Uma ação sobre o tema chegou à Corte em 2023. A Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH) afirmou ao tribunal que havia uma deficiência na proteção de outras relações afetivas e familiares contra situações de violência doméstica.
Para a ABRAFH, a Lei Maria da Penha, em sua interpretação original, concentra o combate à violência nas relações heteroafetivas. Ou seja, falta uma lei para proteção contra a violência doméstica no âmbito das relações homoafetivas, envolvendo e homens gays, bissexuais, trans, intersexo e não-cishétero em geral.
Esse contexto, segundo a associação, configura uma omissão inconstitucional, já que a Constituição impõe ao Poder Público o dever de proteger todos os tipos de famílias e pessoas contra a violência doméstica (e não apenas mulheres ou famílias heteroafetivas).
A ABRAFH citou dados de pesquisa do Conselho Nacional de Justiça que apontam casos de agressões em ambiente familiar envolvendo mulheRes lésbicas, trans e homens gays.
"No presente caso de controle abstrato da omissão inconstitucional, a necessidade de atuação da jurisdição constitucional encontra-se no fato desconhecido e/ou invisibilizado da efetiva existência da violência doméstica ou intrafamiliar entre casais do mesmo gênero, que já foi atestada por entidades especializadas", afirmou a associação.
Por que o caso foi analisado pelo ST
Porque o Supremo é o guardião da Constituição, ou seja, cabe ao tribunal analisar questões que envolvem violação a direitos constitucionais. Neste caso, o debate envolve uma omissão por parte do Poder Legislativo, que dificulta o exercício de direitos fundamentais por parte destes segmentos da população.
O que decidiu o STF?
O caso foi julgado pelo Supremo no plenário virtual, entre os dias 14 e 21 de fevereiro.
Por unanimidade, os ministros concluíram que havia uma omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema e que, até que uma regra sobre a questão fosse editada, a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em casos de violência doméstica em relações homoafetivas.
Os ministros se alinharam ao posicionamento do relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes.
O que diz o voto do relator?
Moraes iniciou o voto argumentando que, embora existam outras lei que punem agressões, a Lei Maria da Penha tem uma série de medidas protetivas de urgência que ajudam a resguardar as vítimas de violência doméstica.
"Em que pese a existência de outras normas que prevejam, de forma genérica, a responsabilização de agentes que comentam crimes de agressão ou outros ilícitos que atentem contra a vida e a integridade física de qualquer pessoa, a Lei Maria da Penha traz uma série de medidas protetivas que são reconhecidamente eficazes para resguardar a vida das vítimas de violência doméstica", declarou.
O ministro ressaltou a importância da Lei Maria da Penha como um marco fundamental no combate à violência contra a mulher.
Pontuou, ainda, que entendimentos de instâncias inferiores da Justiça têm reconhecido a aplicação da norma para casais homoafetivos em que a vítima de violência doméstica é a travesti ou a transexual. Mas que o mesmo não tem ocorrido no caso de homens gays.
"Quanto ao alcance da Lei Maria da Penha, conforme se depreende dos julgados acima, entendo que, independentemente da orientação sexual da mulher, a proteção especial da lei vale tanto para as mulheres vítimas de violência doméstica quanto para lésbicas, travestis e transexuais com identidade social feminina que mantêm relação de afeto em ambiente familiar, ou seja, a expressão “mulher” contida na lei vale tanto para o sexo feminino quanto para o gênero feminino, já que a conformação física externa é apenas uma mas não a única das características definidoras do gênero", escreveu.
Citando entendimentos de outros tribunais, Moraes ponderou ainda que é possível a aplicação da Lei Maria da Penha a relações entre pessoas do sexo biológico masculino, quando o papel de gênero atribuído a elas dentro da relação coincida com o socialmente atribuído e cobrado das mulheres.
“Considerando que a Lei Maria da Penha foi editada para proteger a mulher contra violência doméstica, a partir da compreensão de subordinação cultural da mulher na sociedade, é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação”, pontuou.
O que o Supremo decidiu em relação ao Congresso?
A Corte entendeu que há uma "mora legislativa" do Congresso Nacional em relação ao assunto. Ou seja, o Poder Legislativo foi omisso em regular o tema, o que afeta direitos fundamentais.
Sendo assim, a Corte decidiu que, até que venha uma lei sobre o tema, incide a proteção da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos do sexo masculino e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares.
O tribunal não estabeleceu prazo para que o Parlamento legisle sobre o tema.
Cabe recurso da decis
Sim. É possível recorrer dentro do próprio STF com pedidos para esclarecimentos de pontos da decisão.
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