sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Sem família para assumir cuidados médicos, pacientes moram em hospitais

Ocupação dos leitos é apenas um dos problemas acarretados por essa realidade, que desafia as autoridades
A Gerência de Serviço Social da Secretaria de Saúde trabalha com metade do efetivo de servidores. Nem a pasta consegue contabilizar o real número de pacientes sem destino quando terminarem os atendimentos



“Como deve ser bom dar um suspiro de alívio, sabendo que temos amparo e proteção. Sempre penso para onde eu vou quando sair daqui. Não tenho respostas.” Luiza Nicolau da Silva, 46 anos, chorou após a reflexão. Desde novembro de 2015, ela vive na QNC, Área Especial nº 24. Esse é o endereço do Hospital Regional de Taguatinga (HRT). A paciente não é a única nessa condição. Como ela, um sem-número de pessoas passou a “morar” nas unidades médicas da capital federal. As internações de longa permanência são ocasionadas por fatores como abandono familiar, muitas vezes por falta de condições de acolhimento, ou mesmo pela ausência de parentes. O problema se agrava com a desarticulação das políticas públicas de assistência social e a falta de uma instituição especializada no atendimento.

Os pacientes, muitas vezes, chegam sem documentos ou informações a respeito da família. Quando têm condições de viver de forma independente, voltam para o anonimato das ruas, mesmo ainda fragilizados pela internação. Outros precisam aguardar uma solução, que, por vezes, não chega ou demora. A Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh), de janeiro a outubro, acolheu 228 pessoas encaminhadas pela Secretaria de Saúde em abrigos. A dificuldade é encontrar uma vaga em que o paciente possa ser atendido de acordo com a necessidade. O serviço é mantido por convênios e nenhuma das 15 entidades credenciadas é especializada no tipo de assistência. Os três abrigos próprios do governo também não têm expertise para o atendimento.

Sem alternativas, a Gerência de Serviço Social da Secretaria de Saúde — que trabalha com metade do efetivo de servidores necessários — tenta atenuar as falhas. Nem sempre o laço familiar pode ser reconstruído. Em algumas situações, os parentes não têm condições financeiras de receber os pacientes. A demanda é tamanha que nem a pasta consegue contabilizar qual o real número de pacientes sem destino quando terminarem seus atendimentos. Há pelo menos 10 pacientes com processos abertos para conseguirem vagas em abrigos. Se não ficarem nos hospitais, não têm para onde ir. A espera ultrapassa um ano.

Durante uma semana, a reportagem acompanhou histórias como a de Luiza. Os dramas ambientados nas enfermarias e nas UTIs se repetem, carregados de sofrimento. “Minha irmã não pode ficar comigo. Ela trabalha e não tem dinheiro para pagar um acompanhante”, conta Luiza. E emenda, com a voz embargada: “Nessas horas, tenho saudades do meu pai. Ele morreu faz bastante tempo, mas com certeza seria uma companhia agora”, diz. Luiza precisa amputar a perna direita após uma queda que comprometeu o membro.

Entre a movimentação das equipes médicas e sussurros de pacientes, Luiza passa os dias. A maior parte do tempo, sozinha e calada. Na segunda-feira, quando a reportagem esteve no 4º andar do HRT, ela olhava a rua pela janela. Nada que pudesse distraí-la e minimizar a má impressão do longo corredor escuro que é preciso atravessar para chegar ao leito dela. “Fiquei um período num abrigo. Gostava bastante de tomar sol. Daqui a um tempo, vou sentir falta de andar também”, ironiza. Após conversar com a equipe do Correio, lanchou e voltou a encarar a rua — perspectiva antagônica à agitação do hospital.

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