segunda-feira, 19 de junho de 2023

Interferência de Janja no Governo vai da Economia, até Defesa e publicidade Redação Por Redação 18/06/2023 - 20:10


Do Estadão — Quando Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a socióloga Rosângela Silva, a Janja, como sua namorada ao deixar a prisão na tarde de 8 de novembro de 2019, em Curitiba, antigos companheiros do PT avaliaram que o “animal político” renovava ali o ânimo do partido para a corrida ao Palácio do Planalto. Mais de três anos depois, porém, a agora primeira-dama é vista como problema para um governo com entraves na articulação política. E a crítica vem justamente de velhos amigos do presidente, ministros e líderes de partidos.

Senadores e deputados petistas dizem que Janja se colocou como um poder entre o gabinete presidencial, a base aliada e ministros. Ainda na transição, ela tentou ser nomeada para um cargo no Planalto. Assessores avisaram Lula, no entanto, que isso era “nepotismo”. Sem função formal, a primeira-dama se instalou num gabinete de 25 metros quadrados bem ao lado da sala do presidente, no terceiro andar, e dali em diante tem aumentado seu espaço no governo.

Sob o argumento de que quer “ressignificar” o papel de primeira-dama, Janja participa de reuniões do presidente com ministros, impõe medidas para as áreas econômica, social e política, dá palpite sobre o relacionamento com os militares e afasta Lula de deputados e senadores.

Estadão apurou que a primeira-dama tem interferido em questões de governo, especialmente na publicidade, indo além de meras opiniões sobre peças de campanhas e com poder de veto. Janja determina mudanças, trocas e até barra campanhas importantes. Se ela não gostar, a propaganda não vai adiante.

Foi a primeira-dama, por exemplo, que barrou uma proposta do PT de remunerar blogueiros alinhados ao governo. Havia pressão do partido e do próprio ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, mas a decisão final foi de Janja. Ela determinou que os blogueiros continuassem na militância, sem remuneração. A primeira-dama também defende uma comunicação mais voltada para as TVs abertas. O governo nega que Janja tenha interferência na área de comunicação ou publicidade institucional.

Um integrante do primeiro escalão disse ao Estadão que Janja atropelou o rito de conversas com a equipe econômica ao fazer um pedido expresso para redução dos juros do cartão de crédito.

Auxiliares da Fazenda foram destacados para tocar a medida. Todos temem, no entanto, falar abertamente sobre Janja. “Me tira dessa” ou “Imagine se eu falar alguma coisa” são as frases mais ouvidas quando o assunto se refere à primeira-dama.

A primeira-dama Janja e o presidente Lula durante Reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, na quinta-feira,

Insatisfação

Pelo relato de um interlocutor do Planalto, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, comentou numa reunião com Lula sobre a crise na articulação política. Ao fim do encontro, a primeira-dama o acompanhou até a porta. Na despedida, Janja pediu a ele que não levasse mais aquele tipo de problema para o presidente. Procurado, Dias também negou o diálogo. “Estranho essa história. Nunca houve este diálogo. Costumo receber os problemas e levar solução. Levo ao presidente apenas o que depende de sua decisão”, disse por meio da assessoria.

Outro interlocutor contou que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), procurou Lula para alertá-lo sobre a insatisfação de companheiros com atitudes de Janja. O presidente teria dito, então, que ele não deveria mais repetir a crítica, caso quisesse preservar uma amizade de décadas.

A assessoria de Wagner disse que o senador e a mulher, Fátima, têm “as melhores relações” com Janja. “Não há nenhum fundo de verdade nesse tipo de comentário, nesse tipo de ilação. O senador está absolutamente indignado com isso”, afirmou a assessoria.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, encabeça a lista dos auxiliares de Lula que, em conversas reservadas com aliados, demonstram insatisfação com interferências da primeira-dama. No círculo restrito de Costa há o entendimento de que Janja prejudica a interlocução política ao impedir que o presidente almoce com parlamentares e use mais o fim de semana para dar atenção aos representantes da base aliada.

“Ele está sem tempo para fazer política, que era o seu diferencial”, diz um deputado do PT, resignado, sob a condição de anonimato.

A reclamação pode soar como a de alguém que reclama que a mulher do amigo não o deixa sair de casa. Os petistas, porém, costumam lembrar que, nos seus dois primeiros mandatos, Lula almoçava no gabinete com convidados políticos e gastava tempo para agradar especialmente ao baixo clero da Câmara.

Os políticos antigos de Brasília também se recordam de um pensamento do ex-vice presidente Marco Maciel. Dizia ele que um presidente sem tempo para “namorar” deputados, especialmente os sem expressão política, tinha vida difícil no Congresso.

anja fez críticas ao titular da Defesa, José Múcio Monteiro

Militares

Após a invasão às sedes dos três Poderes e a tentativa de golpe pelos bolsonaristas, no dia 8 de janeiro, Janja fez críticas ao titular da Defesa, José Múcio Monteiro, em reunião com a presença de outros ministros. Ela o acusou de não “proteger” o presidente como deveria.

No dia dos atos golpistas, Múcio chegou a propor que Lula baixasse um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para conter o vandalismo. O presidente estava em Araraquara e, ao ouvir a sugestão de Múcio, feita por telefone, Janja reagiu: “GLO não! GLO é golpe! É golpe”.

Interlocutores de Lula relatam que Janja já deu respostas ríspidas a Múcio, em cenas descritas como constrangedoras. Recentemente, contudo, a primeira-dama teria começado a se aproximar dele.

Petistas que atuaram como ponte entre Lula e a caserna reclamaram várias vezes que Janja contribuía para manter o clima de tensão entre o governo e as Forças Armadas. A primeira-dama teve participação decisiva para que o presidente criasse uma secretaria para cuidar da segurança dele e da família. O órgão é chefiado pelo secretário Alexsander Castro de Oliveira, delegado da Polícia Federal, chefe da segurança do petista na campanha.

Antes, a função era do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), formada por militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. No próximo dia 30, Lula terá de decidir se torna a secretaria permanente ou se devolve sua segurança pessoal para o GSI.

Exemplos

A presença atuante de Janja na campanha e no início do governo Lula vai na contramão do comportamento de primeiras-damas de esquerda no continente. Com um discurso “contemporâneo”, a cientista social Irina Karamanos, companheira do chileno Gabriel Boric, delegou funções tradicionais do posto para profissionais da área social e praticamente aboliu a figura da primeira-dama do La Moneda.

Foi no passado da política sul-americana que Janja identificou o que seria um exemplo de primeira-dama. Na campanha, ela se referiu a Evita Perón, segunda mulher do ex-presidente argentino Juan Domingo Perón, como “inspiradora”.

Em janeiro, durante viagem de Lula a Buenos Aires, Janja posou na sacada da Casa Rosada, onde Evita fazia seus discursos populistas e dramáticos nos anos 1940 e 1950. “A história de uma mulher forte e inspiradora aconteceu aqui”, escreveu Janja na postagem da foto no Instagram. Evita foi considerada uma primeira-dama que ajudava na popularidade de Perón.

Os amigos de Lula dizem que Janja repete a mulher de Perón, mas a terceira. “Ela é a Janjelita”, reclama um antigo amigo do petista. Trata-se de uma referência a Isabelita Perón, que acumulou o posto de primeira-dama com o cargo de vice em mais um mandato de Perón, assumindo o poder na Argentina com a morte do marido, em 1974. Antes, porém, ela já causava problemas políticos.

O governo de Isabelita foi marcado pelo caos econômico e político. Ela foi deposta por um golpe militar, que levou o país à ditadura. Na Argentina, os peronistas só falam do mito Evita.

Influencer

Janja é uma figura constante nas redes sociais. Com 1,1 milhão de seguidores no Twitter e 2,2 milhões no Instagram, ela posta fotos e mensagens, dialoga com internautas e apoia campanhas de vacinação e do Enem. Na última quarta-feira, por exemplo, Janja visitou um hospital em Brasília com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e participou de encontro de mulheres quilombolas, onde defendeu maior presença feminina na política.

As postagens recebem tratamento de edição e contam com imagens e vídeos profissionais. Janja manteve, no entanto, uma prática da era Jair Bolsonaro: bloqueia jornalistas e quem a contesta.

Em vídeo publicado no Instagram, no Dia da Mulher, 8 de Março, Janja mostrou seu gabinete no Planalto e uma equipe formada por três funcionárias. “Oi, galerinha, segunda-feira, quase meio-dia e meia, estamos aqui no meu gabinete… já estamos em reunião, aqui, com a minha galera, equipe toda”, disse.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Casa Civil informou que “não existem atos administrativos para a criação do ‘Gabinete da Primeira-Dama’”. A pasta se limitou a informar que não há uma rubrica orçamentária específica para Janja e que ela é atendida pela mesma assessoria de Lula em atividades de interesse público.

Estadão, no entanto, identificou ao menos duas servidoras no atendimento exclusivo à primeira-dama, com salários de R$ 12 mil e R$ 16 mil por mês, em abril.

Como revelou o Estadão, uma ex-sócia de Janja foi contratada como assessora especial da Presidência, com salário de R$ 13,6 mil. Margarida Cristina de Quadros deveria acompanhar Lula, mas viaja com Janja em agendas sem a presença do petista.

Mesmo os pequenos gestos de Janja têm sido observados por antigos aliados de Lula. Durante o evento de comemoração do Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, o presidente arrancou risadas da plateia ao recusar que um subordinado retirasse de seu pescoço o colar entregue pelo cacique Raoni Metuktire, liderança histórica do movimento indígena.

O fato inusitado, não captado pelas lentes da TV Brasil, foi que a ordem de remoção do presente partiu de Janja. Ao final da cerimônia, ela própria subiu no palanque e removeu o colar do pescoço de Lula. Em seguida, acompanhou o presidente rumo à rampa de acesso ao terceiro andar do Planalto.

  

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