Por Edmar Lyra
A aprovação da chamada PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, na semana passada, abriu um debate delicado no país sobre o equilíbrio entre prerrogativas parlamentares e a necessidade de transparência no exercício do mandato. O texto aprovado prevê que parlamentares só possam ser processados criminalmente com autorização do Legislativo, além de instituir voto secreto nessas decisões. A medida remete a um modelo vigente antes da Emenda Constitucional de 2001, período marcado por forte crítica social diante de casos de impunidade e de dificuldades em responsabilizar autoridades envolvidas em denúncias.
A votação dividiu o plenário. De um lado, parlamentares defenderam a proposta sob o argumento de que o Legislativo precisa resguardar sua independência frente a possíveis excessos de outros Poderes, especialmente do Judiciário. Para esse grupo, a PEC seria um instrumento de equilíbrio institucional, evitando o que consideram risco de perseguição política contra deputados e senadores. Do outro, críticos apontaram retrocesso, sustentando que a medida restabelece um manto de privilégios incompatível com o princípio da igualdade perante a lei. Para eles, mandato não deveria ser interpretado como sinônimo de imunidade absoluta.
A decisão pelo voto secreto também gerou forte reação. A crítica central é de que a medida reduz a transparência do processo, retirando do eleitor a possibilidade de acompanhar a posição individual de cada parlamentar em um tema de grande repercussão. A questão da publicidade dos atos legislativos está diretamente relacionada ao princípio democrático da prestação de contas: representantes eleitos têm responsabilidade perante a sociedade que os escolheu.
A reação popular não tardou. No último domingo, manifestantes ocuparam ruas em diversas capitais brasileiras — entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e Salvador — em protestos contra a PEC da Blindagem e também contra projetos que tratam de anistia a condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. As manifestações ocorreram de forma organizada, com palavras de ordem que pediam “sem anistia” e “não à blindagem”, e cartazes apontando o Congresso como responsável por uma tentativa de afastar a política dos anseios da sociedade.
O movimento popular revela um ponto relevante: parte expressiva da sociedade acompanha de perto a atuação do Parlamento e reage a medidas vistas como descoladas do interesse público. As ruas deixam claro que o eleitorado não pretende aceitar passivamente a volta de instrumentos que, na percepção coletiva, ampliam a distância entre representantes e representados.
O futuro da PEC ainda depende do Senado, que terá de decidir se mantém ou rejeita o texto aprovado pela Câmara. É nesse ponto que o debate deve se aprofundar: como conciliar a proteção institucional necessária para o funcionamento do Parlamento com a exigência democrática de transparência e responsabilização? A resposta não é simples, mas será determinante para a credibilidade do Congresso junto à sociedade.
Se a Câmara optou por reforçar o corporativismo, as manifestações mostram que há uma cobrança crescente por responsabilidade e igualdade. A tensão entre blindagem e transparência, anistia e responsabilização, é um reflexo de um momento em que a política brasileira busca redefinir seus limites diante da pressão popular. O desfecho no Senado dirá se o país caminha para fortalecer as instituições democráticas ou se retrocede em direção a um modelo de impunidade que já se mostrou insustentável no passado.
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