O combate à insegurança alimentar será o tema deste ano da Campanha da Fraternidade, iniciativa anual da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O lançamento oficial da campanha, chamada “Fraternidade e Fome” ocorre nesta terça-feira (22), em Brasília, no Distrito Federal. Entre os objetivos da campanha está pressionar por políticas públicas que combatam o problema da fome no país e chamar a atenção para o tema, de modo a combater uma “cultura da indiferença” ante à falta de alimentos na mesa de brasileiros.
Os religiosos também pedem que autoridades e fiéis reflitam sobre quais seriam as estruturas sociais que levam cerca de 33 milhões de pessoas a fazerem menos de uma refeição por dia no país, conforme estimativas da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
— As raízes da fome se encontram em uma estrutura social injusta. O Brasil sente fome e ela desumaniza. Queremos, em primeiro lugar, promover a tomada de consciência desta realidade. Segundo, ressaltar ações que já vêm sendo feitas em vários âmbitos. Pessoas, entidades, empresas, comunidades de fé que agem em favor dos que sentem a necessidade do pão de cada dia — diz Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e primeiro vice-presidente da CNBB.
Em quase 60 anos de Campanhas da Fraternidade, que são promovidas pela CNBB desde 1964, é a terceira vez que o problema da fome é abordado, a primeira após o fim da ditadura militar – as outras edições foram em 1975 e 1985, segundo Spengler. Em 2023, a confederação usou para a campanha o lema bíblico do versículo de Mateus 14, 16: “Dai-lhe vós mesmo de comer!”. A passagem remete a uma cena do livro sagrado em que Jesus Cristo multiplica pães e peixes para uma multidão faminta.
De acordo com a conferência, a iniciativa anual é um modo de a igreja unir um chamado de reflexão sobre temas de importância social à prática religiosa no período da Quaresma, rito cristão que antecede a Páscoa em que os fiéis realizam jejum, caridades, orações e se abstém do consumo de carne.
Fome piorou no Brasil na última década
De acordo com números da Rede Penssan, o Rio Grande do Sul tem o maior índice de insegurança alimentar grave da região sul do Brasil. Hoje, cerca de uma a cada sete famílias gaúchas, 14,1% da população, faz apenas uma refeição ao dia ou passa um dia inteiro sem comer.
— A superação desse flagelo não depende simplesmente de dar alimento a quem não tem. A questão é muito mais ampla. Nós temos produção suficiente de alimentos no Brasil e hoje até produzimos para o mundo. Se não conseguimos alimentar nosso povo e a nossa gente é porque vivemos em uma estrutura sociopolítica, econômica, injusta. E isto precisa ser debatido também — afirma Spengler.
Por esse motivo, um dos braços da campanha será o auxílio na formação de pessoas para que trabalhem em conselhos municipais que atuem no âmbito da alimentação. Os religiosos lembram que a Constituição Federal estabelece o direito à alimentação, que deve integrar o rol de políticas públicas prioritárias de governos.
— Além da mobilização que a própria igreja vai fazer, ela também vai atuar no fortalecimento dos conselhos municipais de segurança alimentar e nutricional e pela criação dos conselhos nos municípios que ainda não possuam esse órgão de garantia do direito à alimentação a todas as pessoas — explica Elton Bozzetto, coordenador da Dimensão da Caridade da Arquidiocese de Porto Alegre.
Hoje, no Rio Grande do Sul, são cerca de 5,3 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, segundo dados de 2022 da Penssan. Na época do levantamento, mais da metade da população brasileira, 58,7%, relatou à pesquisa não ter certeza se teria o que comer em um futuro próximo – para 15,5%, 33 milhões de pessoas no país, já faltavam refeições no presente.
A mesma pesquisa ressalta que, no ano passado, o Brasil atingiu seus piores números da série histórica nacional em quantidade de pessoas com fome ou em situação de insegurança alimentar, em comparação a dados coletados desde 2004.
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